Entrevistas

Fotografia de bolso: 40 anos da coleção Photo Poche

Marcella Marer & Géraldine Lay Publicado em: 16 de fevereiro de 2023

A Photo Poche, emblemática coleção de livros de bolso dedicados à fotografia,  acaba de completar 40 anos. Para celebrar a data, a sua icônica capa preta ganhou novas cores. Após ultrapassar a marca de 200 livros publicados, Géraldine Lay, atual diretora da coleção na Actes Sud, editora responsável pela publicação, conta que tem desejos de renovação. Além de modernizar o visual da capa da série, Lay pretende incluir mais mulheres e fotógrafos do Leste Europeu, da Ásia, da África e da América do Sul.

Criada por Robert Delpire (1926-2017), no mesmo momento em que foi nomeado diretor do então recém inaugurado Centro Nacional da Fotografia (atual Jeu de Paume), a coletânea era subvencionada pelo Ministério da Cultura. Na época, a fotografia passava por um processo de legitimação no campo artístico e cultural na França e a série constituiu um objeto simbólico à altura. A pesquisadora Marcella Marer conversou com Géraldine Lay sobre os desafios de estar à frente de uma coleção que pretende contar a história internacional da fotografia, sobre os projetos editoriais da Actes Sud e as características do mercado editorial de fotolivros.

Você é hoje a Editora de Fotografia e Arte Contemporânea da Actes Sud, onde trabalha há mais de 20 anos. Você poderia contar o seu percurso na editora?

Géraldine Lay: Eu entrei em 1998, como estagiária. Quando terminei a escola de fotografia (Escola Nacional Superior de Fotografia de Arles – ENSP), fiz uma formação no campo editorial e fui procurar um estágio. Antes de me candidatar a Actes Sud, eu escolhi a Nathan para poder trabalhar na coleção Photo Poche, pois, na época, eles que a publicavam. Eu não fui selecionada e, então, fui trabalhar na Actes Sud.

Nessa época, o departamento de artes era pequeno, haviam apenas o diretor e o produtor gráfico. Eu comecei como assistente dos dois e, aos poucos, me tornei responsável por toda a parte de produção gráfica de artes. Hoje, temos oito grupos de produção gráfica na editora, que são divididos entre três departamentos: literatura, arte e infanto-juvenil. A editora comprou, desde sempre, muitas editoras menores e, com isso, cresceu muito nesse período. Hoje somos 300 funcionários.

Desde 2019, quando assumiu o departamento de fotografia, você se tornou também a diretora da coleção Photo Poche. Quando ocupou a função, houve diretrizes deixadas para você?

GL: Quando eu assumi existiam alguns projetos em andamento, como o Femmes Photographes (que contempla os números 160, 161 e 162 da série), que foi meu primeiro trabalho herdado. Como ele foi iniciado em 2015, não fui responsável por decidir muita coisa. As imagens do livro e as fotógrafas da coleção foram escolhidas por Sarah Moon. Eu fiz o acompanhamento editorial, que envolvia muitas questões autorais, pois eram 190 fotógrafas.

Não existia uma meta específica a seguir quando eu entrei. Antes de mim, o editor da coleção era Robert Delpire e, quando entrei, claro que eu tinha interesses diferentes dos dele. Nós não somos da mesma geração. Eu quero seguir com minhas preferências, mas mantendo o caráter histórico da coleção e revisando essa historiografia, incluindo alguns fotógrafos deixados de fora, mas que fazem parte da história da fotografia. Tem alguns nomes que eu gosto menos do que outros, mas a coletânea tem um dever histórico que devemos respeitar.

A coleção acaba de completar 40 anos e, nesse momento, vemos uma grande mudança na identidade visual da icônica capa preta, do livro de bolso. Você poderia nos contar quais foram essas alterações e explicar as suas motivações?

GL: Desde que assumi a direção eu tinha essa vontade. Eu amo a Photo Poche, pois ela permite ao público ter um primeiro acesso a livros de fotografia. Por um preço acessível é possível adquirir uma monografia / retrospectiva de um artista, com um texto muito bem escrito que explica precisamente o trabalho desse artista. É uma coleção que, para mim, deve ser sempre popular. Mesmo sabendo que ela acabou virando um objeto desejado por colecionadores, que querem completar a série, ela precisava entrar numa época contemporânea. Quando falamos de uma coleção que já tem 40 anos, ficamos temerosos em tocar nas estruturas. No entanto, quando eu cheguei, achei que também seria um bom momento para celebrar esses 40 anos e modernizar. E, na verdade, eu não acho que a nova identidade visual deva dar conta de tantos anos, como foi o caso da versão com fundo preto. Não tem problema se for necessário atualizá-la daqui cinco ou dez anos.

Ainda assim, existe um mesmo princípio que segue sendo respeitado: 144 páginas, um mesmo formato de 12,5 × 19 cm, um texto introdutório, um portfólio e legendas. Esta foi a ideia principal do Robert Delpire e não exatamente a identidade visual da capa. Ele a criou, mas, eu não sou ele, e tem um momento que é preciso marcar uma mudança.

A Photo Poche é uma equipe e essa identidade foi criada por Pierre Péronnet e Wijntje Van Rooijen, que são dois designers independentes. Eles deram vida às nossas vontades. Eu não tinha ideia do que podíamos fazer para modernizar o visual da coleção. Na nossa equipe Photo Poche temos entre sete e oito pessoas envolvidas em cada livro.

A coleção surgiu como uma maneira de democratizar a fotografia para estudantes e pessoas que não podiam comprar grandes livros fotográficos. Atingir esse púbico continua sendo o principal diferencial da Photo Poche?

GL: A presença da coleção na editora é uma maneira de contar a história em permanência. E para isso ela atende muito bem, pois é acessível e também histórica, com textos de excelência. Sempre damos muita atenção à impressão e à qualidade técnica para que seja um livro pequeno, mas feito com os mesmos cuidados que um grande livro de fotografia.

Os livreiros nos dizem que dentro da seção Arte é o livro do primeiro acesso, pois os estudantes podem comprar, assim como alguém que não é tão conhecedor de fotografia, mas que se interessou por um tema e pode comprar um livro de arte que não é caro.

A série não financia outros projetos, mas se sustenta sozinha. Todo ano fazemos seis novas edições e cada uma só vira rentável depois de vender entre três e quatro mil exemplares. Então, a rentabilidade geral é bem equilibrada dentro da coleção, pois reune as novidades, as reimpressões e os títulos que nunca se sustentam, de fotógrafos menos conhecidos, como por exemplo o Leon Levinstein, que só vendemos 1.100 exemplares até o momento. Acho que Sophie Calle vai fazer parte dos mais vendidos, o que nos permite equilibrar as contas da coleção.

O livro é traduzido para outros idiomas e distribuído por editoras estrangeiras. Na edição inglesa, por exemplo, o nome é outro e as capas tinham a mesma identidade visual da versão anterior do Photo Poche, porém eram coloridas e não pretas. Como se dá essa negociação quando se “vende” um projeto editorial para outros países?

GL: Pela Actes Sud nós nunca produzimos versões estrangeiras da Photo Poche, ela sempre é publicada em francês. Desde 2006, a Thames & Hudson publica a versão em inglês e distribui nos países anglo-saxões. Eles fazem uma seleção dos livros a serem traduzidos em função do público deles e, por não escolherem todos, a versão não era numerada, como é a versão francesa. Mas faz quatro anos que eles revisaram a sua maquete e daí em diante os livros passaram a ser numerados.

Cada editor tem que escolher um nome para sua edição, em inglês é Photofile, em italiano, com a editora Contrasto, é FotoNote. Se amanhã tivermos um editor alemão, ele deve buscar um nome que lhe interesse. Nesse momento, temos as edições inglesa e italiana e estamos trabalhando em novas, uma versão alemã e uma neerlandesa, na Bélgica. Já tivemos edições em espanhol pela Lunwerg, em português pela Cosac Naify, em japonês pela Sogensha, e em alemão com a Braus.

Quais são os atuais objetivos da coleção Photo Poche?

GL: Dar mais visibilidade às mulheres, que não aparecem muito na coleção. E mais lugar aos artistas de fora da Europa Ocidental, ou seja: do Leste Europeu, da Ásia, da África e da América do Sul.

Na América do Sul, por exemplo, publicamos Graciela Iturbide, Manuel Álvarez Bravo, Tiago Santana, Sebastião Salgado, Martín Chambi e Flor Garduño. Não são muitos. Eu adoraria, por exemplo, fazer um do Miguel Rio Branco.

Você já tem estratégias para isso?

GL: Não são estratégias, são encontros. Pessoas que podem nos apresentar algum artista ou nos abrir um acervo fotográfico. Como estamos falando da história da fotografia, alguns artistas não estão vivos ou não atingiram um reconhecimento em vida, então precisamos ter acesso a seus arquivos.

Então a coletânea tem essa ambição de nos próximos anos contar uma história internacional da fotografia? Ou talvez recontar incluindo novas perspectivas que não partam do ponto de vista francês ou americano?

GL: Sim. Contudo, nem sempre é fácil para uma editora francesa encontrar os artistas de fora desse eixo.

Essa também é uma preocupação com relação aos historiadores e críticos responsáveis por escreverem os textos que acompanham os livros?

GL: Com certeza, esses autores acabam contando uma história de acordo com a perspectiva local, francesa. É preciso criar parcerias, pois eu não posso ser a única fonte de indicação de artistas e historiadores. Eu preciso criar uma rede que me permita avançar nessa direção.

Por exemplo, para começar, eu editei o livro do Samuel Fosso com Christine Barthe e agora vamos trabalhar juntas na obra de James Barnor. Como ela é a responsável pela fotografia do Museu do Quai Branly, faz parte das suas funções conhecer mais a fundo fotógrafos de outros países. Este caminho não é fácil e evidente para nós, enquanto editores baseados na França.

Como a coleção se posicionou face à renovação da linguagem fotográfica? Existe uma pretensão de apresentar grandes nomes que usam a fotografia como linguagem na arte moderna/contemporânea, mas que não são exatamente fotógrafos?

GL: Sim, com certeza. Começamos a fazer isso com Charlotte Perriand. Por quase 40 anos, o Robert Delpire dirigiu a coleção, então até 2017 era apenas um olhar. Claro que muita gente trabalhou na coleção junto a ele, mas ele deixou a sua assinatura nesse período.

Desses mais de 190 livros publicados antes de você ser a editora responsável pela coleção, quando você olha para eles de novo, pensa que algum ficou defasado, que algum texto deve ser reescrito ou atualizado para os dias atuais?

GL: Sim, já fizemos isso com a reedição de Raymond Depardon, cujo texto alteramos um pouquinho e as imagens mudamos completamente. A primeira edição foi feita em 1986 e, se olharmos para o Depardon daquela época, e compararmos com o de 2022, quase não encontramos o mesmo fotógrafo. Então, não fazia sentido reeditar uma versão antiga. Essa nova edição é praticamente uma novidade.

No caso de Harry Gruyaert é uma nova edição, com uma seleção de fotografias diferentes. Estamos fazendo, neste momento, uma nova edição de Claude Cahun e incluímos quatro ou cinco imagens novas.

Você sabe qual foi o Photo Poche de maior sucesso?

GL: Não sabemos mensurar qual foi o que mais vendeu. No lançamento da coleção, nos anos 80, eram vendidos mais de 30 mil exemplares de cada. Como existiam menos livros de fotografia, foi um grande sucesso. [Félix] Nadar foi o primeiro a ser publicado e está esgotado.

Alguns livros nós não temos o arquivo necessário para refazer, pois eram produzidos de outra forma, e não temos como reimprimir hoje. Além disso, também esbarramos em questões de direitos autorais e com as famílias, que nos impossibilitam de tentarmos uma nova impressão. Até poderíamos tentar refazer, reeditar alguns, mas bom… tem tanta coisa nova por fazer.

Os mais reeditados foram Henri Cartier-Bresson, Sebastião Salgado, Harry Gruyaert e Robert Doisneau, que já estão na 4ª edição. Nós nos reunimos com a Thames & Hudson, de tempos em tempos, para ver quais precisamos reimprimir, assim podemos dividir os custos de produção. Nós, por exemplo, atualmente precisamos reimprimir Man Ray e Guy Bourdin.

Qual é a política editorial da coleção? Porque alguns fotógrafos têm mais de um livro publicado?

GL: Klavdij Sluban, por exemplo, teve seu trabalho sobre o universo prisional publicado na coleção temática “Sociedade”. Era um assunto apenas e agora ele vai ter uma monografia retrospectiva.

É engraçado que, certa vez, num artigo, um jornalista disse que no início ninguém queria fazer parte do Photo Poche, pois era muito pequeno e agora, quando se é um fotógrafo consagrado, todos querem ser publicados na coleção.

Esses livros temáticos da coleção voltarão a ser publicados?

GL: Essas pequenas coleções vão continuar a existir, sim, só ainda não dedicamos muito tempo a elas. Vamos publicar em 2024 uma edição dedicada ao conflito na Irlanda do Norte, junto com uma pesquisadora que estudou o assunto. Essa foi uma batalha hiper documentada e que foi fotografada de maneiras diferentes ao longo da história. Tem fotografia vernacular, registros feitos por fotojornalistas e artistas, como o Paul Graham, que não mostram o conflito diretamente para falar dele. Ao mesmo tempo, tinha a propaganda política, dos dois lados, que também usava fotografia. Tudo isso aconteceu junto ao desenvolvimento da fotografia e à maneira como fazemos reportagens e documentações.

Em outubro de 2023 vamos publicar um outro livro chamado Au saut du lit (Pulando da cama), com fotografias feitas no ambiente do quarto. A Clara Bouveresse vai ser a responsável pela parte textual. O único que não vamos continuar editando é o Photo Notes.

Foto do livro de Seydou Keita na coleção Photo Poche

Os fotolivros na França costumam possuir textos, muitas vezes mais de um texto e autor. Como você explicaria essa característica? Você acha o texto essencial num fotolivro?

GL: No caso da Photo Poche, como se trata de uma monografia com um caráter retrospectivo, é importante ter um texto que conte um pouco a trajetória do fotógrafo e que o situe na história da fotografia. Mas de uma maneira geral, os fotolivros não precisam ter textos. É que nós franceses somos tradicionais, mentais e teóricos demais.

Vemos esse processo mental também na literatura e no cinema francês, que dialogam com racionalidade. Nós brincamos que o cinema francês se passa numa cozinha, em Paris, onde os personagens passam o filme inteiro falando, e não tem música. Vemos essa característica principalmente dos anos 1970 aos anos 2000. Isso é muito curioso, pois se você conversa com os fotógrafos norte-americanos, eles falam da fotografia de uma forma muito mais simples, sem deixar de ser interessante. Na verdade, muitas vezes são até mais interessantes. É realmente uma característica nossa.

Você foi a responsável pela produção gráfica dos livros de arte da Actes Sud de 2001 a 2019. O que você mais aprendeu em termos de produção gráfica de um livro de fotografia? Como lidar com os desejos do autor, por exemplo, com relação às diferenças de cor e textura de uma fotografia impressa num papel fotográfico e impressa num livro?

GL: Como produtora de livros de fotografia, que necessitam de muita técnica, entendo que esse aprendizado me serve como editora, para dialogar e dar segurança aos autores, pois sei do que estou falando. Mas eu diria que essa experiência me ajuda, sobretudo, como artista. Pois eu sei o que representa fazer um livro, conheço as apreensões e inseguranças que geram num artista. Então eu compreendo muito bem os caminhos que devemos seguir para um projeto.

O mais importante, para mim, é que um livro é fruto de um projeto de equipe e é importante que o autor tenha essa abertura para participar coletivamente. Se atuamos sozinhos, achando que sabemos mais sobre um assunto, na verdade, estamos bloqueando boas ideias. Não é um editor ou um autor sozinho, pois cada um adiciona um detalhe, é realmente um projeto feito a muitas mãos. São importantes as discussões com quem faz a releitura, por exemplo, pois esse trabalho pode trazer um grande impacto no resultado final. Todas as questões e sugestões podem ser interessantes e devem ser ouvidas num processo de produção de um fotolivro.

O que você considera um livro de fotografia bem editado? Você tem seus preferidos?

GL: Um fotolivro é um projeto singular, que as vezes entrega mais do que você viu numa exposição, por exemplo. Podem ser livros simples ou complexos, e não precisam ser complicados demais.

Eu sempre amei o La Ferme du Garet, de Raymond Depardon, pois tudo está feito corretamente, desde o seu formato, à escolha do papel. Eu adoro o Dark Knees, de Mark Cohen, do Atelier EXB, pois o formato é perfeito para o trabalho que ele mostra no livro. Adoro também o Day Sleeper, de Dorothea Lange – Sam Contis, da MACK, pois a seleção de imagens e o formato são ótimos. E o Douleur Exquise, daSophie Calle, que é um objeto incrível. Gosto de livros que não são muito grandes, pois muitas vezes são os mais interessantes.

Recentemente o seu departamento lançou uma nova coleção chamada 48 vues,  também com um preço muito acessível e um formato padronizado, mas de jovens fotógrafos. Você pode contar um pouco mais sobre esse projeto e essa coleção?

GL: A coleção nasceu de um projeto que tinha justamente 48 imagens e dois textos curtos. O designer colocou o nome do arquivo de “48 vistas e duas vozes”. Os textos são em francês e inglês, mas não são traduções um do outro, cada um foi escrito originalmente. Então, pensamos que seria um nome interessante para identificar uma coleção. Não que seja uma obrigação para as próximas edições terem exatamente 48 imagens, mas por enquanto os dois lançados têm essa característica.

A história dessa coleção é ligada ao projeto do Julien Gester. Uma editora de infanto-juvenil me enviou o trabalho dele sobre a Rússia. Eu marquei uma reunião com ele, pois adorei o material. Nesse encontro ele quis me mostrar uma outra produção, que ele iria publicar de forma independente. Eu pensei que seria uma pena não acompanhar esse projeto que eu tinha adorado. Então, eu fui até a direção da editora e perguntei se poderíamos fazer publicações cujos projetos tivessem meu acompanhamento, seja porque são autores iniciantes, seja porque são séries curtinhas. Assim, teríamos livros mais leves, menores, menos dispendiosos e mais acessíveis. Seria um contraponto ao que fazemos com a Photo Poche, que são mais históricos, contendo monografias inteiras. Eu tive a aprovação para testarmos e assim nasceu a coleção.

Estou feliz que ela está encontrando o seu público e tem um grande potencial de sucesso com esse formato mais leve, que é bem acessível, inclusive na maneira de ver o livro. Isso corresponde também aos meus desejos pessoais, pois hoje eu não tenho mais essa vontade de comprar uma enorme monografia de um fotógrafo. Eu prefiro que me contem uma história desse fotógrafo. As editoras independentes exploram mais esse tipo de projeto do que as editoras mais clássicas. As independentes, muitas vezes, têm projetos mais modestos, mas são mais delicados e experimentais, o que eu acho muito interessante. Foi desse desejo de experimentação que surgiu essa coleção.

Quais são as diretrizes da Actes Sud para lançar um livro de fotografia? Quais projetos te interessam para, de fato, se tornarem livros?

GL: Desde que eu ocupei a direção do departamento de fotografia, publicamos livros de um certo tipo de fazer a fotografia documental que envolve pesquisa, como foi o caso de Monsanto: une Enquête Photographique, de Forêts géométriques e de Humanité végétale. Percebo que aqui temos uma linha a desenvolver.

Do outro lado, gosto muito de livros que mostram o oposto. Como por exemplo, vamos publicar o vencedor do Luma Rencontres Dummy Book Award Arles 2022, o Hoja Santa de Maciejka Art, que me lembra o Jungle Book do Yann Gross. Eu adoro esse approach poético.

A Actes Sud está localizada em Arles, no sul da França, que é uma cidade com grande tradição na fotografia. Lá estão localizadas a ENSP – Escola Nacional Superior de Fotografia, fundada em 1982 e o festival Les Rencontres de la Photographie, iniciado em 1970. Qual é a relação entre as três instituições?

GL: Com a escola, depende da diretoria, mas geralmente temos bastante vínculo. Nós publicávamos a revista deles, chamada Inframince e, mesmo agora, que é editada pela Filigranes, a nossa maquete foi mantida. Eu mesma faço cada vez mais palestras na Escola.

Com o Rencontres nós temos muita relação. Todo ano nós publicamos o catálogo do festival e produzimos exposições e publicações compartilhadas. Por exemplo, o projeto de exposição e livro Forêts géométriques (exposto e lançado em 2022) foi apresentado ao festival por nós. Já o Hoja Santa (o vencedor do prêmio de boneco de livro de Arles 2022), o festival achou que nós deveríamos publicar pois tem o estilo de outros livros que fizemos anteriormente. Além disso, temos os nossos espaços expositivos que participam do festival, como a Croisière, que abriga exposições coordenadas por nós e outras pelo Rencontres. Temos também as nossas exposições, que acontecem durante os verões, para que, submetidas ao festival, possam fazer parte da sua programação oficial. No restante do ano, a programação dos nossos espaços é relacionada ao cinema, desenho e outras linguagens publicadas pela editora.

Você tem visto livros africanos, asiáticos ou sul-americanos que te interessam?

GL: O que fascina a todos nas publicações japonesas, por exemplo, é que eles sempre usaram o livro como um espaço de criação. Antes de tentarmos fazer isso aqui, eles já exploravam o livro não como um cubo branco, mas como um espaço inteiramente pensado, com a sua própria paginação. Ou seja: o objeto livro é pensado. Por isso fascina tanto. Na América Latina também percebo essa característica. Na tradição da fotografia latina e japonesa percebemos a fotografia sendo usada de forma mais livre. E hoje a criação contemporânea tenta se inspirar em tudo isso.

Agora, conosco, essa liberdade criativa acompanha apenas alguns fotógrafos, como William Klein e William Eggleston, com o livro Guide. Na realidade fazemos livros mais clássicos, revezando uma página branca com uma foto. Entretanto, tenho a impressão de que o livro pode ter formas muito criativas. ///

Marcella Marer é doutoranda em Artes e Ciências Sociais na UZH, Zurique e mestre em Artes e Linguagens pela EHESS, Paris. Atua como pesquisadora e curadora. Colaborou com os festivais FotoRIO, Paraty em Foco, Valongo e ZUM.