Rio, um litoral interior
Publicado em: 30 de novembro de 2015GALERIA é a seção do site da ZUM dedicada a ensaios e séries fotográficas. Veja abaixo a série em desenvolvimento Rio, um litoral interior, de Vincent Catala, e o texto em que o fotógrafo explica seus pressupostos para este trabalho, que ainda está em desenvolvimento.
“Como muitos, eu achava que conhecia o Rio de Janeiro antes mesmo de viver na cidade. É o poder das imagens e das narrativas: a cidade-praia, a luz ofuscante, a vertigem dos sentidos. Logo que cheguei, pensei comigo: ‘isto aqui é o paraíso na terra’. Parecido àqueles viajantes que descobriram a Baía de Guanabara – porta de entrada marítima para a cidade –, de quem Cendrars fez troça.
Três anos depois de ter desembarcado, meu fascínio pelo Rio não diminuiu, mas agora eu olho para a cidade de dentro. Não é sua beleza que me toca, e sim o poder da ilusão que emerge dela. E se o mito não fosse a cidade em si, e sim a ideia que se tem dela? Uma parte do mundo sempre fantasiou um longínquo porto de chegada, a promessa de renovação e, ao mesmo tempo, a descoberta de uma realidade distante das representações imaginadas.
O Rio ainda convoca as imagens repetitivas, para não dizer estereotipadas, de sempre. De um lado, uma idílica beira-mar, os bairros famosos, uma exuberância dos corpos e dos usos dela. De outro, as favelas, das quais transbordam outras energias e uma vitalidade visceral do Brasil. Mas em uma cidade que se estende por 50 quilômetros e conta com 160 bairros, as favelas e as áreas turísticas da Zona Sul são apenas um fragmento do tecido urbano.
Do centro administrativo, que tem 70 anos de idade, aos desenvolvimentos habitacionais mais recentes nas zonas Oeste e Norte, passando por enormes terrenos baldios cobertos por vegetação e pedaços de estradas que os conectam, temos outra percepção da cidade, que se impõe com o tempo: a sensação de uma cidade com um cenário indeciso, de um organismo urbano vazio e silencioso, quase artificial. Nesses espaços sucessivos surgem figuras solitárias, pensativas, prostradas. A correspondência muda entre os lugares e os indivíduos: os habitantes desta cidade não se falam. Onde estamos exatamente? E em que momento? Quase sempre há uma luz úmida e leitosa que borra as certezas e as referências.
Neste Rio que se tornou tão familiar quanto estrangeiro para mim, o aspecto flutuante, o vazio e o silêncio são as imagens que traduzem a busca de um equilíbrio, situado em algum lugar entre o desaparecimento de uma ordem e seu ressurgimento.”///
O fotógrafo francês Vincent Catala, membro da agência VU’, vive e trabalha no Rio de Janeiro. Algumas de suas fotografias fazem parte da coleção do MAM-Rio.
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