Apagar por padrão
Publicado em: 22 de junho de 2023Esse ensaio é fruto de pesquisa e planejamento para a edição 2022 do Festival Getxophoto, sobre o tema Imaginar, e do acompanhamento da pesquisa de Marloes de Valk sobre os impactos ambientais das imagens em rede, desenvolvida como parte do programa de doutorado colaborativo entre The Photographers’ Gallery e o Centro para o Estudo da Imagem em Rede.
“Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair.”
Funes, o Memorioso, Jorge Luis Borges
“Uma cultura que é meramente preservada não é cultura nenhuma.”
Realismo Capitalista: Não Haverá Alternativa?, Mark Fisher
Viver o capitalismo tardio e resistir aos seus efeitos requer imaginação crítica. Em tempos de catástrofe climática, sucessivas crises econômicas, guerras e penúria, a filósofa Marina Garcés questiona como podemos separar as reais implicações desses fenômenos das narrativas que eles provocam. Ela nos adverte que, quando os fatos automaticamente se tornam previsões inevitáveis, só resta lugar para o conformismo ou a anulação, utopias ou distopias. Garcés defende que precisamos de uma ecologia da imaginação. Esse processo crítico e emancipatório consistiria em três aspectos: primeiro, uma incorporação da alteridade, no sentido de estranhar a si mesmo; depois, parar de viver contra o passado e o futuro para viver o próprio tempo; e finalmente, aprender a não saber. A primeira destas dimensões não sugere apenas que nos tornemos acolhedores ao outro, mas também estranhos a si mesmos, criando a possibilidade de um mundo comum que reconheçamos como compartilhado, e não apenas de nós mesmos. A segunda dimensão implica aprender um tempo comunitário em que, em vez de se apegar a noções passadas do futuro, possamos imaginá-lo enquanto o tempo se desenrola. A terceira proposta sugere um liminar onde conhecimento e ignorância se encontram sem se confrontarem. Uma dimensão em que nossa atenção saturada possa se acostumar a não saber e doravante formular perguntas que possam se tornar “o ponto de partida para um compromisso crítico e imaginativo com a emancipação em tempos de Apocalipse pré-programado”.
A fotografia contribui para essa realidade aflitiva dos nossos dias, para o sentimento de que não há alternativas disponíveis. Ainda que diversos de seus elementos constitutivos – sua materialidade, circulação, valor, usos humanos e não-humanos – tenham se transformado radicalmente com a digitalização e o networking, essas transformações tiveram por finalidade os processos de extração e acúmulo que evoluiram sob o sistema do capitalismo tardio. A origem da primeira imagem digital configura um ótimo exemplo. Em 1957, quase toda entrada de dados digitais exigia processamento manual. Um ser humano precisava inspecionar visualmente os caracteres inscritos nos cartões perfurados ou em fitas magnéticas e descrevê-los para a máquina para que pudessem ser processados.
“O problema consiste em tornar diretamente acessível ao computador informações imagéticas que normalmente seriam processadas visualmente por seres humanos para que possam alimentar um sistema de processamento de dados.”
Engenheiros e cientistas da computação como Russell A. Kirsch – que também inventou o pixel – e seus colegas buscaram explorar como as máquinas poderiam elas próprias ver, de forma a “reduzir a intervenção humana necessária ao processo de entrada [de dados]”. Uma fotografia do filho recém-nascido de Kirsch foi apresentada publicamente como uma das primeiras imagens escaneadas, circulando nas mídias de massa como uma metáfora poética para a também recém-nascida tecnologia. Essa imagem se tornou um marco na história da fotografia. Não obstante, é uma imagem que não aparece no artigo científico de Kirsch et al sobre a sua pesquisa. Essa omissão sugere, já no anúncio da primeira imagem digital realizada, um conflito entre o regime ubíquo de representação e as complexidades subjacentes a sua materialidade. As implicações amplas e multifacetadas que o desenvolvimento do letramento visual da máquina viriam a ter estavam sendo, desde o princípio, ofuscadas pela encantadora história do bebê e do impulso humanista da curiosidade científica. Kirsch e sua equipe optaram por usar fotografias para o desenvolvimento do campo de processamento de imagens sem considerar o modo como a própria fotografia já codifica o ato de ver. Eles empregaram a fotografia como um meio transparente, de forma não muito diferente do que o fotojornalismo tradicional faz. Não obstante, diferente do que proclamam os clichês mais condescendentes do jornalismo, a intenção dos cientistas não era apresentar o mundo como ele realmente era ou dar a voz aos marginalizados. O processamento de imagens foi originalmente criado para dar ao computador suficiente letramento visual para que pudéssemos remover os seres humanos de certas atividades, de modo a otimizar e aumentar as capacidades computacionais da máquina.
Somada às tecnologias digitais, a internet é a outra principal força que veio a transformar a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos por meio de imagens. Desde a sua origem como um projeto de pesquisa financiado pelo exército até seu desenvolvimento num canal para o compartilhamento de experimentos científicos da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (CERN), o objetivo da Internet sempre foi manter informações circulando. A primeira imagem carregada na internet – a do conjunto musical Les Horribles Cernettes – está completamente alinhada a essa função. O objetivo principal daquela imagem claramente não foi demonstrar as habilidades técnicas do fotógrafo em capturar um momento relevante no tempo. Ela não documenta nada além de talvez um dos primeiros exemplos da estética do folclore digital. A relevância dessa primeira imagem on-line passa pela sua capacidade de comunicar, de se relacionar, de provocar uma resposta emocional em um espectador que, em 1992, teria se sentido convidado a assistir a um dos concertos do grupo. E essa resposta dependia da circulação e visibilidade da imagem, um recurso brutalmente explorado anos mais tarde pelas empresas de mídia social.
A era das mídias sociais, que hoje parece entrar em declínio, pode ser considerada a segunda tentativa bem-sucedida de monetizar a internet depois da era .com do final dos anos 1990. Além disso, outros desenvolvimentos mais efêmeros, mas igualmente frenéticos, também conseguiram criar mecanismos para acúmulo de riqueza na web, como por exemplo o recente frenesi crypto e seus esforços para transformar imagens em uma mercadoria escassa. É impossível negar o papel que as imagens em rede desempenham hoje em nossas vidas, uma vez que a maior parte do tráfego da Internet é visual. As plataformas de mídia social estimulam o uso de fotografias e vídeos como ferramentas para autoapresentação e interação interpessoal, menos do que dispositivos de memória. Aplicativos para câmera de celular que permitem o compartilhamento instantâneo de fotos muito se beneficiam das práticas visuais correntes, nas quais a fotografia é usada mais como uma ferramenta de comunicação social do que como uma forma de documentação, lembrança ou expressão artística. Ainda que criar e compartilhar uma curadoria de imagens de si para os outros tenha sido indiscutivelmente o principal motor das redes sociais baseadas em fotografia, isso parece estar mudando nas plataformas mais recentes. Com a consolidação de críticas à ganância das empresas que exploram as identidades minuciosamente elaboradas de seus usuários, um uso mais casual e temporário das imagens parece estar ganhando força. A imposição de restrições morais, o plágio repentino (e controverso) de recursos entre competidores e a reação popular contra estratégias descaradas de monetização têm sido desafios com que as plataformas precisam lidar. Ao mesmo tempo, as empresas que dão mais espaço às mídias visuais aceleradas algoritmicamente estão ganhando força. Aquilo que é publicado abertamente nos feeds visa menos a família e os amigos próximos do que um público amplo, almejando o maior alcance possível. Enquanto isso, interações pessoais passam a acontecer majoritariamente em grupos de chat e conversas privadas. Ali também a imagem se mostra importante, principalmente com as gerações mais novas. A função da fotografia como ferramenta de representação parece se transmutar: de formadora de identidades – e, antes ainda, guardiã da memória – para facilitadora de comunicações. O meio sempre representou esses três papéis, mas o equilíbrio de poder entre eles foi se reequilibrando com o tempo.
A atual tendência da fotografia como meio de comunicação multiplicou exponencialmente seu uso em uma época em que o desenvolvimento e a adoção massiva de dispositivos pessoais de memória tornaram o armazenamento digital extremamente barato. Enquanto isso, a ofertas tóxica das empresas de big tech para que guardemos nossos dados em seus servidores – a chamada nuvem – de graça, ou por um preço relativamente baixo, faz com que o armazenamento digital pareça baratíssimo. A facilidade imediata de criar, compartilhar e armazenar imagens com um telefone – um aparelho que a maioria das pessoas carrega sempre consigo – resultou numa escala tão gigantesca de produção de imagens que os seres humanos tiveram que apelar para sistemas automatizados que pudessem dar sentido a elas. Esse aumento fora de escala se torna um preocupação ambiental na medida em que requer mais infraestrutura e fontes de energia. Pesquisas científicas recentes demonstraram como a redundância de imagens “esquecidas” na nuvem produz crescentes emissões de carbono. Da mesma forma que a capacidade de armazenamento, a resolução e a largura de banda de transmissão ao vivo têm aumentado constantemente, a cada ano. O crescimento ilimitado do tamanho da imagem, da tela, do poder de processamento e da capacidade de armazenamento é um mantra para os profissionais de marketing. Não obstante, o impacto dessas formas de produção em massa de tecnologia está começando a ser questionado. Novas ideias e práticas de computação ambientalmente conscientes têm surgido às margens da cultura de consumo. Os recursos do planeta estão chegando ao fim e, mesmo com eventual relutância, admitir essa situação nos força a tomar atitudes.
Aqui, pode ser útil voltar a ecologia da imaginação proposta por Marina Garcés como uma forma de pensar para além do arquetípico binário problema/solução. Não busco uma bala de prata que venha nos salvar de uma vez por todas dos impactos da lógica extrativista. Gostaria de cogitar alternativas para a cultura visual e para a materialidade da imagem que possam nos oferecer pelo menos a possibilidade de imaginar uma outra forma de fotografia; quiçá uma fotografia menos ambientalmente daninha. Para isso, é importante refletir sobre como as práticas visuais da sociedade já foram transformadas em resposta à exploração corporativa, particularmente no que tange à imagem em rede. Repensar a fotografia mais como um meio para a comunicação do que para o registro e a preservação, como quer o cânone tradicional, poderia abrir outras sendas a serem exploradas.
No sentido de aplicar os princípios de Garcés para uma reimaginação crítica da fotografia, a primeira etapa – incorporar a alteridade para estranhar a si mesmo – é talvez a mais importante. Ao aceitar que, hoje em dia, o principal uso da fotografia digital – criada por seres humanos – é o de comunicar informações, ideias e mensagens, antes mesmo que documentar a realidade ou preservar a memória, podemos libertar o meio da sua obrigação de perdurar. Podemos começar a deixar para trás a sua função por excelência modernista, como uma ferramenta questionável de categorização e descrição do mundo, enquanto abraçamos definitivamente a sua função comunitária, junto aos outros meios de comunicação. Tomando por inspiração o falar, as fotografias poderiam aspirar a serem meramente criadas e compartilhadas, sem a necessidade de serem preservadas para sempre. Um desdobramento técnico poderia apagá-las por padrão, abrindo espaço para uma nova forma de resistência contra o armazenamento ubíquo de dados digitais.
Como o professor Viktor Mayer-Schönberger explica em seu livro Delete: The Virtue of Forgetting in the Digital Age [Delete: as Virtudes do Esquecimento na Era Digital]: “Uma memória digital totalizante priva a nós, seres humanos, da oportunidade de evoluir, desenvolver-nos e aprender, nos obrigando a hesitar de maneira impotente entre duas alternativas igualmente problemáticas: um passado permanente e um presente ignorante”.
No livro, Mayer-Schönberger analisa o impacto que o armazenamento sistêmico e a monetização de dados tiveram na violação de privacidade, nos danos contra a reputação e na disseminação de informações desatualizadas ou falsas. Ele busca demonstrar que a era digital mudou nossa atitude padrão em relação a vastas quantidades de dados do esquecimento para a lembrança, o que acabaria por minar a capacidade humana para o pensamento abstrato, a troca e desenvolvimento de conhecimentos. Como resposta, ele propõe uma solução técnica: uma data de validade que precisaria ser registrada em todos os arquivos digitais assim que fossem criados, obrigando o usuário a refletir e tomar decisões sobre o propósito do arquivo e sua vida útil. Passado o tempo prescrito, o arquivo seria deletado automaticamente, economizando espaço de armazenamento e liberando a memória, como um aprendizado a “não saber”, conforme coloca Garcés.
O livro de Mayer-Schönberger foi publicado em 2009, o mesmo ano em que o Facebook inaugurou novas configurações de privacidade que tornavam públicas por padrão todas as atualizações de status dos usuários. Naquela época, dados pessoais eram compartilhados on-line pelas grandes empresas de tecnologia sem qualquer cuidado, enquanto ativistas pelos direitos de liberdade civil e outras organizações não-governamentais alertavam sobre os problemas que isso poderia acarretar – levaria ainda cinco anos para o parlamento europeu criar a lei do direito ao esquecimento. Ainda que tivéssemos razão em nos preocupar com o impacto da gestão privada de dados – o Facebook sozinho já foi implicado na influência de campanhas eleitorais em países como Argentina, Quênia, Malásia, Reino Unido, Estados Unidos e África do Sul –, hoje sabemos que não são todos os dados que permanecem armazenados ou acessíveis. Armazenamento e acessibilidade são controlados por corporações que decidem sobre que informações apagar, quais atualizar e às quais cortar o acesso dependendo de sua lucratividade, sem levar em consideração seu potencial valor cultural. Em resposta, instituições públicas e organizações independentes como o Internet Archive têm feito um trabalho inestimável de recuperação e preservação dos fragmentos descartados da Internet que acreditam valer a pena manter. Não obstante, a quantidade de informação gerada a cada instante é tamanha que facilmente supera todos os dados que acabam sendo apagados por descuido. Dado esse aumento implacável do volume de dados, algumas organizações de preservação mudaram sua estratégia inicial de arquivar todas as coisas para arquivar curadorias selecionadas de elementos. Uma decisão muito importante que ainda não teve impacto na produção de dados em si.
Desde que seu livro foi publicado, vários desenvolvimentos vieram para tornar mais atraente a proposta de Mayer-Schönberger de definir uma data de validade para arquivos digitais. O livro não antecipou o impacto ambiental que a era digital poderia ter, nem que a exclusão de arquivos poderia ajudar a reduzi-lo. Embora incluísse análises sobre o papel das imagens no quadro geral do esquecimento, não discutia os conflitos mais abstratos que sua proposta causaria na relação entre fotografia e memória. A publicação ocorreu dois anos antes do lançamento do Snapchat – o aplicativo que veio popularizar as fotografias efêmeras. Na primeira postagem do blog da empresa, um dos cofundadores declarou que “o Snapchat não liga para o tradicional momento Kodak. O aplicativo foi feito para comunicar toda a gama de emoções humanas, e não apenas o que parece ser bonito ou perfeito.” O uso de fotografias e videozinhos que desaparecem foi adotada por outras empresas nos anos seguintes, embora a maioria delas não apague as imagens de seus servidores nem após um mês, como o Snapchat afirma fazer. Os dados produzidos são um recurso precioso demais para a gestão da economia de atenção e o treinamento de algoritmos de visão maquínica. Integrar uma vida útil aos metadados dos próprios arquivos ajudaria a prevenir as empresas de armazenar imagens secretamente, mesmo quando afirmam que não o fazem. Definir que as fotografias digitais se apaguem por padrão pode proporcionar formas de resistir à vigilância, reforçar a privacidade e evitar a monetização das trocas sociais cotidianas. Também poderia ajudar a coibir a extração desenfreada de dados para o desenvolvimento da computação cognitiva, a chamada inteligência artificial – um campo de pesquisa em vias de se tornar uma indústria de massa. As gigantescas coleções de imagens geradas por usuários são matéria-prima essencial para a criação de ferramentas que não apenas reconhecem e categorizam fotografias, como também sintetizam novas imagens a partir delas. Uma tecnologia capaz apenas de imaginar futuros passados, mas incapaz de imaginar “o próprio tempo”, como sugere Marina Garcés.
A exigência de definir uma data de validade toda vez que salvamos uma imagem não apenas contribuiria para trazer o impacto de sua materialidade à tona, como também daria certa agência à pessoa encarregada de salvá-la. Mayer-Schönberger sugere outras funcionalidades que tornariam essa ideia mais flexível. A data de validade poderia ser atualizada se a relevância da imagem mudasse ao longo do tempo, e poderíamos definir alertas que nos dessem a oportunidade de reconsiderar uma exclusão iminente. Dadas algumas das características fundamentais da mídia digital e o fato de que seria improvável que essa característica fosse adotada para todos os formatos de arquivo – especialmente aqueles criados e controlados por interesses privados –, é seguro supor que o papel da cultura visual como ferramenta para memória ou representação ainda estaria disponível, talvez apenas não de forma predominante.
Definir que as fotografias digitais sejam apagadas por padrão não apenas exigiria um esforço técnico muito complexo. Também nos obrigaria a esquecer e repensar algumas das culturas fotográficas tradicionais. Colocaria em questão o que significa preservar esse meio, ao propor que sua sobrevida não dependa da perpetuação de certas práticas históricas normativas, mas do reconhecimento e da investigação crítica sobre sua natureza mutante. O principal atributo da fotografia deixaria de ser sua resistência e passaria a ser sua circulação, efeito e interação. Isso nos obrigaria a reconsiderar o valor de mercado da arte digital em relação ao seu tempo de vida, colocando em questão algumas das recentes tentativas técnicas de perpetuar sua existência e intensificar a sua comercialização. Também nos convidaria a tomar a fotografia como um meio performático e vivo, deixando – finalmente! – para trás a associação com a morte que historicamente vem acompanhando o meio. Trata-se, afinal, de uma analogia bastante ultrapassada para uma época em que a fotografia é tudo menos imóvel ou uma mera emanação de um referente – como aponta Barthes. Ademais, a fotografia ela mesma está longe de estar morta, ao contrário do que se afirma a cada vez que um novo desenvolvimento técnico é anunciado na área. O meio carrega em si muitas práticas e noções defuntas, e talvez seja mais difícil de definir do que nunca – já que atualmente existe misturado a outras tantas tecnologias. Mas, alimentada pela liberação digital dos seus meios de produção – que eu deliberadamente evitaria de chamar de democratização –, a fotografia tem estado mais viva nos seus últimos 20 anos do que em qualquer momento de sua história.
A fotografia é um artefato vivo em contínua transformação, difícil de controlar na medida em que reproduz um amálgama de si mesma, de suas condições de produção e de seu entorno. Talvez ela possa nos lembrar outros tipos de entidades capazes de viralizar e se replicarem apenas por meio de redes ou de um organismo. Poderíamos considerá-la semelhante a um vírus, uma dos menores e mais numeroso tipo de entidade biológica. Um agente que desafia a própria noção do que significa viver, ainda que seja capaz de desempenhar duas funções atribuídas aos seres vivos: relacionar-se entre si e reproduzir-se. Um referencial popularmente conectado apenas a doenças, cujo papel como um elemento fundamental para a evolução da vida tenha se mantido desconhecido. Uma coisa muito contraditória e escorregadia de seu tempo, sobre a qual temos dificuldade em definir um termo: fotografia, fotografia expandida, pós-fotografia, imagem, imagem em rede, imagem computacional… Incorporar a prática de apagar por padrão obrigaria o meio a revisar o seu estatuto como detentor do conhecimento por diferentes domínios e para diferentes mediadores, desde o praticante cotidiano às organizações culturais e às empresas que a exploram comercialmente. A fotografia precisaria sustentar uma ecologia da imaginação própria que a permitisse explorar possibilidades capazes de questionar as bases de sua própria razão de ser. ///
Tradução do inglês por Gabriel Menotti
Texto originalmente publicado no site unthinking photography
Jon Uriarte é curador da programação digital na The Photographers’ Gallery, em Londres.