Claudia Andujar – no lugar do outro

Conheça o catálogo “Claudia Andujar, no lugar do outro” e leia trecho da entrevista

Publicado em: 13 de outubro de 2015
 Já está disponível para compra o livro-catálogo da exposição Claudia Andujar, no lugar do outro (saiba mais sobre a exposição aqui, e sobre a publicação na loja virtual do IMS). A edição é bilíngue português-inglês. Veja abaixo imagens da publicação e leia um trecho da entrevista que o curador Thyago Nogueira realizou com a fotógrafa:
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THYAGO NOGUEIRA: […] A fotografia fazia parte da sua infância? Alguma coisa influenciou a sua decisão de pegar uma câmera?
CLAUDIA ANDUJAR: Não. Bom, eu tenho um álbum de fotografias de quando eu era criança. Mas é só isso, não foi o que me influenciou. Não sei como explicar, mas era uma procura de conhecer o país [o Brasil, logo que chegou], as pessoas. Quando eu tinha tempo livre, sempre tentava viajar, mais pelo interior. Porque não me interessava visitar famílias em São Paulo. Estava realmente procurando raízes, o Brasil profundo. Talvez tenha a ver um pouco com aquela coisa das empregadas da minha infância.

Alguém à sua volta fotografava? Na sua família?
Não, ninguém. Minha mãe tinha uma máquina, ela fotografava, mas era como tanta gente. Para mim era uma maneira de me relacionar com o Brasil, nunca pensei que ia ser fotógrafa. Foi só depois que eu já fotografava e isso me dava um prazer muito grande que conheci gente que me encorajou. Mas não era gente de fotografia. Eram pessoas de um certo nível cultural, intelectual, que me encorajavam a continuar.

O antropólogo Darcy Ribeiro, por exemplo?
Sim. Eu tinha amigos que eram ligados à antropologia. E o Darcy sugeriu que eu fosse visitar uma aldeia indígena. Acolhi a sugestão e conheci os índios Karajá. Depois tentei mostrar meu trabalho para O Cruzeiro, Manchete, mas eles não estavam interessados. Vi que no Brasil não dava, na época, para trabalhar numa revista. Por ser mulher, não se interessaram. Se eu fizesse uma coisa mais corriqueira talvez interessasse, mas como eu sempre procurava esse Brasil profundo, não interessava. Ali eu era uma estrangeira, uma mulher que estava se metendo onde não devia.

Fiquei duas vezes com os Karajá, dois meses cada vez, para aprofundar o trabalho. Então resolvi ir aos Estados Unidos para mostrar meu trabalho fotográfico. Fui à revista Life, fui aos museus. Mostrei meu portfólio e aí conheci o mundo da fotografia, dos fotógrafos, fui muito bem acolhida. Mas não quis ficar nos Estados Unidos, quis voltar ao Brasil. E daqui consegui fazer vários trabalhos para a Life. Foi uma das minhas primeiras publicações, os ensaios com os índios Karajá. Voltei várias vezes aos Estados Unidos. Sempre assim, um mês, dois meses. Procurando contatos.

Você já tinha contatos com o meio fotográfico em Nova York?
Fiz os contatos. Não é que cheguei lá com contatos. Através de livros, eu vi o que estavam fazendo lá, as pessoas que poderiam se interessar. Foi assim que cheguei a mostrar meu trabalho lá.

 

Havia um ambiente mais aberto?
Muito mais. Aqui no Brasil, tentei e não deu. Eu conheci através de amigos o arquiteto francês Michel Arnoult, que me apresentou ao Darcy Ribeiro. Também conheci um estúdio de fotografia aqui em São Paulo, aonde eu ia para aprender a revelar filmes. Era na rua Sete de Abril, mas não era um grande estúdio – faziam fotografias de casamentos, retratos, coisas assim. Pela primeira vez, aprendi alguma coisa, isso me ajudou quando fui para os Estados Unidos levar o portfólio do meu trabalho sobre os Karajá.

Você lembra como entrou em contato com as famílias da série Famílias brasileiras?
Não, só me lembro dos caiçaras. Como disse, quando cheguei ao Brasil, eu viajava muito pelo litoral paulista. Conheci bem a região de Ubatuba, Ilhabela, e comecei a fotografar lá. Depois quis conhecer as ilhas, então fui ver os pescadores e perguntei se eles me levariam. Foi assim que cheguei a Picinguaba. A primeira vez não pensei em ficar lá, fotografando uma família. Mas eu ia, voltava, essas coisas. Um pescador me levou até a casa dele, passei várias semanas com a família dele. Na época eu não pensava em fazer várias famílias. Isso veio com o tempo. Depois, quando tinha possibilidade financeira, eu ia um pouco mais longe. Então fui ao Peru, à Bolívia. Eu me senti bem nesses lugares.

Você ia para fazer trabalhos?
Não, eu ia conhecer.

Como era a convivência com cada uma das famílias?
Olha, em todos os lugares fui muito bem acolhida, e ficava morando com as famílias, sempre, quando saía de São Paulo, ficava hospedada na casa delas.

É impressionante o grau de intimidade que você estabelece com cada família. Eles sabiam que você tinha intenção de publicar as fotos?
Não, não sabiam o que eu ia fazer.

Você sentia alguma dificuldade nas viagens por ser mulher e estrangeira?
Não, eu viajava bem. Naqueles meios que eu frequentava, isso não era um problema. Muitas vezes fui adotada pelas famílias dessas pessoas, eu me sentia em casa. Mas nunca procurei entrar na vida da classe média alta.

A ideia de fazer esse projeto veio de algum outro trabalho que você tenha visto, de algum fotógrafo?
Não. Quem conheci na época foi o Marcel Gautherot. Isso foi antes de fazer essas famílias. Foi através do Michel Arnoult, o arquiteto francês, que conheci o Gautherot. Mas nunca fiquei na casa dele. Mostrei o que eu fazia, ele gostou, se interessou, e achou que eu devia continuar com a fotografia. Foi o primeiro fotógrafo que conheci na vida. Ele morava no Rio; eu, em São Paulo. […]

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Claudia Andujar, no lugar do outro (catálogo)
organização e textos de Thyago Nogueira
São Paulo: IMS, 2015


REPRODUÇÕES: RICARDO IANNUZZI

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