A exposição CLAUDIA ANDUJAR, NO LUGAR DO OUTRO é fruto de dois anos de pesquisa do curador Thyago Nogueira no arquivo da fotógrafa. É também a primeira grande mostra dedicada à produção que antecede o envolvimento de Claudia com os índios Yanomami, trabalho que começou a desenvolver nos anos 1970 e que a tornou conhecida mundialmente. A mostra lança nova luz sobre a trajetória da fotógrafa ao apresentar trabalhos pouco conhecidos da primeira parte de sua carreira, anterior ao envolvimento com os índios Yanomami. São reportagens fotográficas e ensaios pessoais, que incluem desde os registros documentais em preto e branco do começo da carreira até a experimentação gráfica colorida do fim dos anos 1960 e começo dos anos 1970.
A mostra é dividida em quatro núcleos. O núcleo Famílias Brasileiras apresenta um dos primeiros trabalhos de fôlego feitos por Claudia no Brasil. Interessada em entender quem eram e como viviam os brasileiros, Claudia resolveu acompanhar o cotidiano de quatro famílias de contextos distintos: uma família dona de uma próspera fazenda de cacau na Bahia; uma família que morava em um bairro da classe média paulistana; uma família de pescadores caiçaras que vivia em Picinguaba, Ubatuba, no litoral norte de São Paulo; e uma família mineira, tradicional e religiosa. A fotógrafa não estava interessada em construir uma visão idealizada do brasileiro, mas em olhar, com um viés antropológico, para a experiência concreta e prosaica.
Famílias brasileiras (1962-64)
Interessada em entender quem eram e como viviam os brasileiros, Claudia resolveu acompanhar o cotidiano de quatro famílias de contextos distintos: uma família dona de uma próspera fazenda de cacau na Bahia; uma família que morava em um bairro da classe média paulistana; uma família de pescadores caiçaras que vivia em Picinguaba, Ubatuba, no litoral norte de São Paulo; e uma família mineira, tradicional e religiosa. A fotógrafa não estava interessada em construir uma visão idealizada do brasileiro, mas em olhar, com um viés antropológico, para a experiência concreta e prosaica.
Histórias reais (1967-71)
Este núcleo reúne parte central da produção de Claudia, formada por reportagens e ensaios realizados para a revista Realidade, para a qual trabalhou como freelancer de 1966 a 1971. A ousadia editorial da revista, mesmo em plena ditadura militar, permitiu que ela mergulhasse em temas espinhosos, controversos ou pouco discutidos na imprensa, como as polêmicas cirurgias espirituais realizadas pelo médium Zé Arigó, em Congonhas do Campo (MG), a atividade de uma parteira na pequena Bento Gonçalves (RS), o cotidiano de homens homossexuais em São Paulo e no Rio e o trem que viajava entre São Paulo e Salvador levando migrantes de outros estados que não haviam conseguido ganhar a vida na capital paulista.
Na sequência de reportagens vê-se que, aos poucos, o preto e branco dramático dá lugar à experimentação cromática que marcou o período, cores que Andujar usou para ilustrar uma matéria sobre drogas, outra sobre os avanços da ciência no campo psíquico, uma sessão de uma técnica de tratamento psiquiátrico chamado psicodrama e o isolamento e o abandono em que viviam os pacientes do Hospital Psiquiátrico do Juqueri (SP).
A cidade e seus habitantes (c. 1970-76)
No começo dos anos 1970, Claudia produziu em São Paulo quatro trabalhos que têm como foco a cidade e seus habitantes. O período foi marcado por intensa experimentação visual e uma grande produção artística. Munida de filme infravermelho ou sobrepondo imagens, registrou São Paulo e sintetizou a densidade urbana no aglutinado de edifícios que parece cenário de um filme de ficção científica.
Diante de um fundo infinito, registrou a modelo baiana Sônia, que tentava a sorte na cidade. O ensaio durou três horas e consumiu dez rolos de filme, mas a fotógrafa não gostou do material e, pouco tempo depois, decidiu refotografar as imagens, sobrepondo-as e usando filtros, numa espécie de radiografia do corpo feminino.
As fotos da Rua Direita foram realizadas numa das regiões mais movimentadas do centro de São Paulo. Com a câmera quase encostada no chão, Claudia agiganta as pessoas e encolhe os edifícios, valorizando os transeuntes ao mesmo tempo que transforma a si mesma – e ao espectador – em assunto da imagem.
Natureza (c. 1970-72)
A maior parte destas fotografias da região amazônica foi feita ao longo do lavrado ao longo do lavrado roraimense e do rio Jari, na divisa do Pará com o Amapá. O primeiro contato de Claudia com o local ocorreu quando trabalhava para o número especial da Realidade dedicado à Amazônia, publicado em outubro de 1971, época em que o interesse pela área era crescente, com a abertura de estradas, a instalação de fazendas de gado e o assentamento de trabalhadores de outros estados incentivados pelo governo militar. A fotógrafa registra a paisagem com o uso de filtros, filmes infravermelhos e subexposição, resultando em uma visão que transcende o registro e oscila entre o sonho e a epifania.
Em 1971, enquanto trabalhava numa edição especial da revista Realidade dedicada à Amazônia, Claudia entrou em contato com os índios Yanomami. A partir de então, transformou a documentação e a proteção desse povo em missão de vida. Seu trabalho como fotógrafa e sua atividade política à frente da Comissão Pró-Yanomami trouxeram contribuições inestimáveis ao país. Durante os anos que se seguiram, a produção de Claudia ligada aos índios se sobrepôs ao extenso trabalho feito nas décadas anteriores, que agora começa a ser retomado.
É essa produção ainda pouco vista e estudada que a exposição CLAUDIA ANDUJAR, NO LUGAR DO OUTRO vem resgatar. Desde que chegou ao Brasil, nos anos 1950, Claudia mergulhou em realidades que desconhecia e se interessou por núcleos fechados (como na série das famílias brasileiras) ou grupos marginalizados e isolados (como os adeptos do espiritismo ou os pacientes do Juqueri). Claudia usava a fotografia para entender o país que adotara, para compreender o outro e descobrir a si mesma. Durante toda a carreira, Claudia fez questão de se aproximar do outro e de se pôr em seu lugar – daí o título da exposição. Um deslocamento que também ocorreu no âmbito geográfico, quando Claudia foi obrigada a abandonar suas raízes e reconstruir a vida em um novo país.
Ao focar-se nas primeiras décadas de sua carreira, CLAUDIA ANDUJAR, NO LUGAR DO OUTRO nos ajuda a entender a relevância, a originalidade e a complexidade da produção de uma das mais importantes fotógrafas brasileiras.
Claudia Andujar nasceu na Suíça, em 1931, e em seguida mudou-se para Oradea, na fronteira entre a Romênia e a Hungria, onde vivia sua família paterna, de origem judia. Em 1944, com a perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial, fugiu com a mãe para a Suíça, e depois emigrou para os Estados Unidos, onde foi morar com um tio. Em Nova York, desenvolveu interesse pela pintura e trabalhou como intérprete na Organização das Nações Unidas. Em 1955, veio ao Brasil para reencontrar a mãe, e decidiu estabelecer-se no país, onde deu início à carreira de fotógrafa.
Sem falar português, Claudia transformou a fotografia em instrumento de trabalho e de contato com o país. Ao longo das décadas seguintes, percorreu o Brasil e colaborou com revistas nacionais e internacionais, como Life, Aperture, Look, Cláudia, Quatro Rodas e Setenta. A partir de 1966, começou a trabalhar como freelancer para a revista Realidade. Recebeu bolsa da Fundação Guggenheim (1971) e participou de inúmeras exposições no Brasil e no exterior, com destaque para a 27a Bienal de São Paulo e para a exposição Yanomami, na Fundação Cartier de Arte Contemporânea (Paris, 2002).
Exposição no IMS-RJ:
Veja o making of da impressão e ampliação das fotos:
Assista à conversa do curador Thyago Nogueira com Claudia Andujar e a também fotógrafa Maureen Bisilliat:
Leia os textos relacionados à exposição no site da ZUM: Réquiem para uma paisagem, de Alvaro Machado, Imagens de um tempo em transe, de Fred Coelho, O corpo, a cabeça e os adeuses, de Miguel Del Castillo, e o poema a sônia, de Angélica Freitas.
Catálogo Claudia Andujar, no lugar do outro
Organização de Thyago Nogueira
Formato: 21 x 26 x 2cm
Número de páginas: 268
ISBN: 978-85-8346-025-1
Preço: R$ 129,90
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Leia trecho da entrevista publicada no catálogo