João Castilho fala do projeto “Zoo”, ganhador da Bolsa ZUM/IMS de 2013
Publicado em: 25 de setembro de 2014Desde o ano passado a revista ZUM e o Instituto Moreira Salles promovem a Bolsa ZUM/IMS, que visa incentivar dois projetos fotográficos sem restrição de tema ou suporte. São duas bolsas de 65 mil reais e oito meses para realizar o projeto. João Castilho e Letícia Ramos, ganhadores da primeira edição, apresentarão seus trabalhos no Paraty em Foco neste domingo, dia 28, às 13h.
Leia abaixo entrevista com João Castilho sobre o projeto Zoo.
De onde surgiu a ideia do projeto?
Ela veio amadurecendo ao longo dos últimos anos. A questão da animalidade na arte é algo que me interessa há bastante tempo. Mas não só a mim, claro, artistas, escritores e filósofos vêm tratando disso, é um problema filosófico também. Temos Bataille, Deleuze, Derrida, e tantos outros pensando isso. O que me interessava era justamente trazer o animal, no caso um animal selvagem, silvestre para dentro de um ambiente doméstico, onde potencialmente estaríamos mais à vontade enquanto humanos, para voltar a discutir, através da imagem e do ato que a origina, onde nos localizamos enquanto homens e animais. Embaralhando novamente posições e fronteiras que às vezes se engessam. Esse deslocamento do animal proporciona isso, um curto-circuito na realidade. Dizemos: esse é o lugar do homem, aquele é o lugar do animal, somos radicalmente opostos por isso, isso e isso. Mas por que é assim? Não somos nós também animais? O que nos aproxima? O que há deles em nós? O animal não carrega também muito do mistério humano?
Nesse sentido todos os animais me interessam. Em nenhum momento quis dar um viés geográfico ao trabalho como por exemplo me ater a fauna brasileira. Não é um trabalho sobre fronteiras geográficas ou sobre brasilidade ou sobre pessoas que vivem com animais. É um trabalho sobre animalidades e humanidades.
Como foi a realização do projeto – a pesquisa, os contatos, as dificuldades?
Surpreendentemente a maioria dos lugares é em Minas Gerais. Não esperava por isso. No começo fizemos um trabalho de pesquisa e produção que nos levou a alguns criatórios. A dificuldade maior é encontrar um animal que seja possível deslocar para uma locação e que possa ser fotografado em segurança. E isso independe da espécie. Às vezes o tamanduá de um lugar conseguimos fotografar, e o de outro lugar não. É caso a caso, e quem conhece melhor o animal são os criadores, por isso é um trabalho feito com eles, com a ajuda deles. Houve diversos casos em que tudo estava acertado, fui até o lugar onde estava o bicho, mas o bicho não quis de forma alguma colaborar e sair do recinto. Faz parte do jogo, só posso respeitar a vontade dele e voltar pra casa. Foi um trabalho feito lentamente, aos poucos, com muitos fracassos.
Outra questão importante para o trabalho é que há sempre uma boa dose de risco envolvida. Por mais que esses animais tenham algum contato com humanos eles não vivem dentro de casas. Se esse deslocamento muda completamente o eixo do nosso instinto, isso vale também para o animal e o comportamento de ambos, homem e animal, nessa situação, é imprevisível.
Qual foi a foto mais difícil?
O animal é um ser à espreita, está sempre se movendo, mexendo suas orelhas, farejando. Ele não fica nunca tranquilo. Mas em alguns casos isso é mais intenso que em outros. Os mais difíceis são os animais mais rápidos, que se movem demais. A raposa, por exemplo. Fotografo com a luz que encontrar, sem flashs e outros artifícios. Isso me obriga a usar uma velocidade bem baixa e os animais que se movem muito dificultam o processo de captação da imagem. Mas nada que não possa ser contornado.
Qual a sensação de estar cara a cara com o animal em um ambiente fechado?
Zoo é um trabalho que funciona como o testemunho de um ato: estar diante do animal. Isso pra mim é algo extraordinário, revelador, transformador. É muito importante pra mim que estejamos presentes, eu e o bicho, um de frente pro outro, nos interrogando em silêncio, como quem diz: e agora? É uma negociação, um embate, mas além disso, estar face a face com o animal me faz retornar a algo primitivo, ancestral e talvez, quem sabe, por um breve instante me transforme em uma onça. ///
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