ZUM Quarentena

A sociedade está nua

Nair Benedicto Publicado em: 30 de abril de 2020

Cemitério de castanheiras, de Nair Benedicto

E de repente… Não! Não foi de repente! Tivemos AVISOS: dos ventos, dos mares, das florestas, dos rios, dos animais e também da espécie humana, via cientistas, psicanalistas, ambientalistas, feministas, músicos, poetas. Tivemos GRITOS: dos indígenas, dos negros, das mulheres, GRITOS da desigualdade que se alargava e aumentava a violência, dia após dia.

No início do ano, vimos os pobres perdendo os raros benefícios conseguidos com muitas lutas e sacrifícios, como aposentadoria e carteira de trabalho, e, simultaneamente, vemos os generosos aumentos concedidos – com a maior cara de pau – às classes privilegiadas de sempre: militares, juízes, políticos. Só os blogs alternativos levantaram questões, entrevistaram economistas, sociólogos, indigenistas e ambientalistas fora do status quo.

Com problemas básicos, como ter dinheiro para ir e voltar do trabalho e comer pelo menos uma vez por dia vivendo em cidades caras, onde a mobilidade não está contemplada, a população foi ficando cada vez mais apática quanto às questões mais distantes dela. Sobreviver se tornou a prioridade!

Dos indígenas, que estão nesta luta há mais de 500 anos, tivemos duas pérolas de literatura: A queda do céu, do Yanomami Davi Kopenawa e Ideias para adiar o fim do mundo, de Ailton Krenak. O olhar deles modifica os nossos. É uma benção!

Filmes nacionais e estrangeiros de procedência variada mostram que as pessoas estão se transformando em verdadeiros zumbis: Que horas ela volta? [de Anna Muylaert], Estou me guardando para quando o Carnaval chegar [de Marcelo Gomes], Eu, Daniel Blake e Você não estava aqui [de Ken Loach], Parasita [de Bong Joon-ho], Bacurau [de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles], Nós [de Jordan Peele], e muitos outros.

Serra Pelada , de Nair Benedicto, Amazônia, anos 1980.

Que sociedade era essa? Que família? Que tipo de regime?

Hoje vejo o mundo novo. As grandes cidades vazias. As pessoas sem máscara. Contêineres frigoríficos nas portas dos hospitais. Abertura de covas múltiplas nos cemitérios. A falta de condições primárias que ocasionará mortes de pessoas em casa, no maior sofrimento e sem assistência.

Dia 17 de abril de 2016, há 4 anos, a votação do impeachment da presidenta Dilma foi o museu dos horrores da nossa vida política. Foi patético demais! Aquelas figuras grotescas davam o GOLPE enquanto se autoproclamavam maravilhosos cidadãos, maridos, pais de família. E o detalhe principal: a dedicatória do voto do então deputado federal Jair Bolsonaro a um dos torturadores mais escabrosos do período da ditadura: cel. Carlos Alberto Brilhante Ustra! O jovem deputado federal Jean Wyllys não se conteve e cuspiu na cara de Jair.

E nada mais aconteceu! NADA!!! A gentalha comemorando é um quadro de horrores que não será esquecido pela História! Mas, naquele momento, naquele dia, com nosso silêncio, o Brasil deixava de ser o Brasil. Nós todos compactuamos com o fim da incipiente democracia!

E agora, José? Nada podia parar e TUDO PAROU! Trancada em casa, fazendo parte do grupo dos velhos com mais de 60 anos, escuto o novo ministro da Saúde explicitar sua linha de conduta: recursos mínimos; haverá necessidade de escolhas: entre um velho e um jovem, não tem muito o que pensar. Pois eu digo: há muito que se pensar! E não só o sr. Ministro.

Garimpeiros, de Nair Benedicto, Amazônia, 1985.

Por que o Brasil não dá certo?

Um país que quer ser uma Nação não poderia admitir torturadores e muito menos elogios a eles. Em 2016 poderíamos ter decidido um 2020 diferente. Não podemos perder esta nova oportunidade que o vírus nos dá. Temos uma pausa para reflexão. Sabemos o que foi o AI-5? Queremos ele de volta, como o não presidente e seus filhos continuam a ameaçar? Queremos que o Congresso seja fechado? Queremos agraciar torturadores? Queremos mais e mais agrotóxicos? Genocídios? Feminicídios? Mais e mais violência? Continuar humilhados por essa desigualdade diante de nossos olhos?

Garimpo e desmatamento, de Nair Benedicto, Aldeia Gorotire.

Por que o Brasil não dá certo?

Amanhã quero acordar pensando no futuro que o Domenico De Masi afirma que o Brasil ainda tem, mas para isso precisa de decisões urgentes!! A Sociedade está nua! Estamos nus! Que todos nós aproveitemos para nos enxergar no espelho. Que percebamos a importância de cada um de nós – trabalhadores e a força estranha que vem da periferia, se auto-organizando e achando soluções para suas questões vitais mais rápido que o governo. Precisamos OUVIR os Índios, os Negros, as Mulheres.

Que tenhamos aprendido que o planeta é FINITO! E quase o destruímos com condutas inadequadas no nosso cotidiano. Precisamos mudar! Agora!

A VIDA é um direito humano que todos têm. Em tempos de necropolítica, com certeza o governo não pensa assim! Estamos numa briga pesada por ELA! Chega de hipocrisia! De blá blá blá de 1% insatisfeito.

A vida exige Resistência! Luta! Dignidade! JÁ!

Olhos bem abertos!

E sem perder a ternura jamais! ///

 

Nair Benedicto (1940) é fotógrafa formada em Rádio e Televisão pela ECA/USP. Foi fundadora da Agência F4 (1979), com Juca Martins, Delfim Martins e Ricardo Malta e do Núcleo dos Amigos da Fotografia – Nafoto (1991), com Stefania Bril, Rosely Nakagawa, Juvenal Pereira, Isabel Amado, Rubens Fernandes Junior e Fausto Chermont. Entre suas premiações, destaca-se o 11º Prêmio Abril de Fotojornalismo, em 1985. É autora dos livros A Greve do ABC (1980), A Questão do Menor (1980), em parceria com Juca Martins, e As melhores fotos de Nair Benedicto (1988), entre outros.

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