William Eggleston – a cor americana

“O teto vermelho”, de William Eggleston, comentada pelo filósofo Nelson Brissac

Publicado em: 22 de April de 2015
Greenwood, Mississippi, 1973 © Eggleston Artistic Trust. Cortesia de Cheim & Read, Nova York.

Greenwood, Mississippi, 1973 © Eggleston Artistic Trust. Cortesia de Cheim & Read, Nova York.

O teto vermelho

A fotografia americana transformou a cor em linguagem fotográfica. William Eggleston foi um dos precursores desse movimento. Ele buscou trazer a visualidade americana para a fotografia. De onde vem a cor nas imagens de Eggleston?

O teto vermelho é a foto do teto de um ambiente todo pintado de vermelho, salvo os fios da lâmpada. Toda a imagem é praticamente vermelha. Diz Eggleston que o vermelho é a cor mais difícil de se trabalhar, que fazer uma fotografia de uma superfície inteiramente vermelha foi seu maior desafio, pois só se via algo assim em painéis gráficos publicitários.

Eggleston é o fotógrafo do vermelho. O vermelho é o paradigma da saturação. O olhar é colado contra o muro, deslocando-se pela superfície. Uma visão tátil, ocupada com os materiais, debatendo-se com o peso e a inércia das coisas. Aqui a cor é constitutiva da matéria. O vermelho, diz Maurice Merleau-Ponty, remete a uma espessura, emerge de uma vermelhidão, na qual estamos mergulhados. É uma cristalização momentânea do colorido, uma pontuação entre as coisas vermelhas. O campo denso dos vermelhos é cerrado como uma vegetação espessa.

O procedimento de revelação e impressão adotado por Eggleston é o dye-transfer. É um sistema de impressão de tinta sobre papel. Não é fotoquímico, mas uma transferência da tinta para o papel. O papel fotográfico tradicional tem a prata e corantes, reagindo à luz (processo fotoquímico). O dye-transfer parece impressão a jato de tinta. O processo requer fazer três matrizes de impressão, uma para cada cor primária (magenta, ciano e amarelo), que absorvem tinta na proporção da densidade do relevo de gelatina da imagem. A colocação sucessiva das matrizes transfere por contato físico cada tinta primária para o papel gelatinoso. A imagem final não é criada quimicamente no papel, ela é composta na superfície dele, a partir das três placas de tinta / imagens separadas.

As cores têm intensidade, contraste e saturação maiores do que no papel fotográfico tradicional. Também o filme Kodachrome tem grão fino e mais saturação de cor. Tem mais cor que os outros filmes. O teto vermelho não é um negativo colorido, é uma transparência (cromo). Não passa por nada ótico (além da captura da imagem). Usa-se uma matriz para cada cor, como uma serigrafia, mas de alta qualidade. A cor emerge dessa acumulação, desse palimpsesto, da densidade do material. E geral associada à luz, a cor se torna aqui uma atividade da matéria. Bachelard lembra que Monet pintou a catedral de Rouen como uma esponja de luz, absorvendo em suas pedras o ocre do sol poente. Como o pintor, o fotógrafo enraíza a cor na matéria.

O dye-transfer é o único processo manual que permitia aos fotógrafos manipular a cor, antes da fotografia digital. Possibilitava um grande controle do processo da fotografia a cores. Mas depois dos anos 1970 o processo, que requeria materiais exclusivos Kodak, praticamente se perdeu.

O procedimento de dye-transfer seria ainda mais impressionante se não tivesse surgido a impressão digital, que é feita com pigmentos minerais, como uma aquarela. Permitindo uma grande permanência, pois os elementos já se alteraram na natureza. As impressões por dye-transfer são muito mais estáveis, podem ser preservadas por 300 anos. Uma estabilidade que Eggleston não via nos próprios cenários desolados, máquinas enferrujadas e objetos abandonados que fotografava.///

 

Nelson Brissac é doutor em filosofia pela Universidade de Paris I. Publicou os livros A sedução da barbárie (Brasiliense, 1982), Cenários em ruínas (Brasiliense, 1987) e America: imagens (Companhia das Letras, 1989); além de vários artigos. Foi co-roteirista da série de televisão America, com João Moreira Salles, e curador do projeto Arte/Cidade. É professor de tecnologias da inteligência e design digital no departamento de comunicação e semiótica da PUC-SP e coordena o projeto ZL Vórtice, em São Paulo.

 

Bibliografia

O direito de sonhar, de Gaston Bachelard (ed. Bertrand Brasil, 1991)
O visível e o invisível, de Maurice Merleau-Ponty (ed. Perspectiva, 1984)