Entrevistas

O que elas viram: fotolivros históricos feitos por mulheres

Publicado em: 13 de julho de 2022
Reprodução dos cartões-postais de Christina Broom do album Postais WSPU, de Isabel Marion Seymour, (doado para a Women’s Social and Political Union), 1908-1914. © Museu de Londres.

Lançado no final do ano passado, o livro What They Saw: Historical Photobook by Women, 1843-1999 [O Que Elas Viram: Fotolivros Históricos por Mulheres, 1843 – 1999] foi anunciado essa semana o vencedor do conceituado prêmio da Fundação Krasna-Krausz, dedicado a livros de fotografia.

O premiado livro é a continuidade do trabalho How We See: Photobooks by Women [leia entrevista publicada no site da ZUM], realizado pelas editoras e cofundadoras do projeto 10×10 Photobooks Olga Yatskevicth e Russet Lederman. “Aquele livro [How We See] se concentrou em fotolivros contemporâneos de mulheres e cobriu o período de 2000 a 2018. Quando esta publicação foi lançada [em 2019] e sua sala de leitura estava em turnê, muitos membros do público nos perguntaram sobre os livros que vieram antes de 2000. Decidimos realizar a pesquisa para esse período anterior, começando com o primeiro fotolivro de Anna Atkins em 1843”, comenta Russet em conversa com a ZUM.

Leia abaixo entrevista com as pesquisadoras Olga Yatskevich e Russet Lederman sobre o livro What They Saw.

Páginas do livro What They Saw: Varvara Stepanova, A Menacing Laughter: The Rosta Windows, 1932. Foto do livro por Jeff Gutterman.

Como surgiu a ideia para o livro What They Saw?

Olga Yatskevich: Quando Russet e eu começamos, há alguns anos, nossa pesquisa sobre a representatividade de fotolivros feitos por mulheres, decidimos analisar os dados existentes. Analisamos os seis “livros sobre livros” mais proeminentes. Não esperávamos números altos, mas os resultados foram bastante chocantes. Apenas 10,5% do total de livros listados eram de mulheres. Isso nos motivou a iniciar nossa primeira pesquisa crítica com foco nas mulheres, o que resultou no livro How We See: Photobooks by Women [Como Vemos: Fotolivros por Mulheres]. O foco era em fotolivros contemporâneos de autoria feminina, publicados entre 2000 e 2018. Convidamos 10 mulheres especialistas em fotolivros, com diversas formações e com representação geográfica diversificada, para que selecionassem 10 livros cada. Para fornecer um contexto mais completo aos fotolivros contemporâneos, também incluímos uma seção de referência sobre fotolivros históricos significativos (feito por um outro grupo de especialistas). À medida que os livros começaram a viajar em turnê em vários eventos e a chamar atenção, recebíamos cada vez mais pedidos e perguntas sobre fotolivros históricos. Então, Russet e eu conversamos e decidimos aprofundar nossas pesquisa em livros históricos feitos por mulheres. Isso também significou entrar em contato com estudiosos e acadêmicos especializados em fotolivros latino-americanos, sul-asiáticos ou africanos. O resultado é nossa publicação atual What They Saw: Historical Photobook by Women, 1843-1999 [O Que Elas Viram: Fotolivros Históricos por Mulheres, 1843 – 1999]. O que queremos mostrar com nossa pesquisa é que as mulheres têm contribuído consistentemente para a história do fotolivro, mas, no entanto, suas contribuições foram muitas vezes negligenciadas, diminuídas ou deturpadas. É essencial continuar questionando as narrativas históricas dominantes.

O livro foi desenhado por Ayumi Higuchi, que teve a enorme tarefa de juntar todos os elementos. Eu acho que o design dela é inteligente, envolvente e emocionante. É preciso uma grande equipe para produzir uma publicação como esta.

Páginas do livro What They Saw: Shirin Neshat, Women of Allah, 1997. Foto do livro por Jeff Gutterman.

O livro apresenta os fotolivros destacados numa divisão em 10 períodos históricos, começando em 1843 e chegando até 1999. Como vocês chegaram a essa divisão? E por que a decisão de parar no século 20?

OY: Não foi uma tarefa fácil. Obviamente, esses períodos históricos são muito arbitrários. Nosso objetivo foi agrupar os livros em torno de grandes eventos históricos e temas comuns, cada período subcategorizado por tema histórico. Enquanto agrupamos os fotolivros por temas, eles também são discutidos individualmente em ordem cronológica. O livro tem 10 capítulos e cada capítulo começa com um ensaio mapeando os principais eventos políticos, sociais e culturais que moldaram aqueles anos, ajudando também a entender por que alguns fotolivros foram publicados naquele período em particular, mas outros não aconteceram. Por exemplo, Elizabeth Cronin, curadora da Biblioteca Pública de Nova York, cobriu o período de 1936-1945, enquanto Jeffrey Ladd escreveu sobre o início dos anos 1970. A linha do tempo, incorporada no design do livro, fornece entradas adicionais destacando as contribuições das mulheres para a fotografia e discutindo histórias fragmentadas que requerem mais pesquisas.

Páginas do livro What They Saw: Angèle Etoundi Essamba, Passion, 1989. Foto do livro por Jeff Gutterman.

Durante a pesquisa vocês chegaram em alguns nomes de fotógrafas mulheres totalmente esquecidas pela história da fotografia mundial? Encontram algum livro que estivesse completamente fora do radar?

Russet Lederman: Muitos dos livros que incluímos estão completamente fora do radar ou há muito esquecidos. Essa foi uma questão importante para nós – “desescrever” a história atual e reescrevê-la com as vozes que faltavam. Não queríamos mostrar apenas os livros mais conhecidos, mas também aqueles menos reconhecidos na história da fotografia e do fotolivro. Como estávamos em plena pandemia da Covid-19 e muitas bibliotecas estavam fechadas, criamos um orçamento para comprar muitos dos livros que incluiríamos no What They Saw. Isso permitiu que as ensaístas que estavam escrevendo os ensaios de introdução dos capítulos e os alunos de pós-graduação (pesquisadores/escritores) que estavam escrevendo as descrições dos livros tivessem acesso direto aos materiais. Também nos permitiu ter uma coleção de livros para compartilhar com muitas das instituições que hospedam a sala de leitura, agora itinerante (inaugurada em 19 de maio de 2022 na Biblioteca Pública de Nova York), associada à publicação. Por exemplo, há o African Journey (1945) de Eslanda Cardozo Goode Robeson, que foi esquecido há muito tempo. No entanto, é um livro feito por uma mulher afro-americana, que era antropóloga (e casada com Paul Robeson), sobre sua viagem à África do Sul e Uganda. É da perspectiva de uma mulher negra em uma época em que a maioria dos estudos antropológicos africanos eram feitos por homens brancos da Europa ou da América. Da mesma forma, existem livros de fotógrafas japonesas que são conhecidos regionalmente, mas não no Ocidente (por exemplo, Far and Near, de Eiko Yamazawa, de 1962).

Também precisamos expandir nossa definição do que constitui um fotolivro para incluir regiões que podem ter uma produção menor devido à falta de acesso, recursos financeiros limitados, classe ou sexismo. Por isso, incluímos álbuns, panfletos e maquetes. Desta forma, mostramos de forma mais abrangente livros de todo o mundo. Muitas vezes, uma fotógrafa queria produzir um livro, mas tinha oportunidades e apoio financeiro limitados.

OY: Acho que alguns álbuns de fotos do século 19 eram pouco conhecidos. Por exemplo, Souvenir é um álbum único montado por Kate A. Williams com os cartões coletados durante suas viagens pela Europa para compartilhar com os amigos. Outro grande exemplo são os álbuns carte-de-visite de Arabella Chapman, uma mulher negra de classe média de Albany, Nova York. Seus álbuns, feitos na era pós-Guerra Civil, incluem fotografias de familiares, amigos e líderes abolicionistas. Como essas publicações são únicas, tentamos ilustrá-las extensivamente em nossa publicação.

Além disso, One Time, One Place: Mississippi in the Depression, A Snapshot Album de Eudora Welty, uma escritora premiada, mas que na sua prática de fotografia é menos conhecida. O livro captura a vida em seu estado natal do Mississippi em meados dos anos 30. Russet descobriu numa loja em Long Island por cerca de 10 dólares.

Páginas do livro What They Saw: Sofia Rydet, Mały człowiek (Little Man), 1965. Fundação Zofia Rydet.

Como vocês lidaram com o desafio de fazer uma seleção ampla e globalizada?

RL: Inicialmente fizemos o How We See: Photobooks by Women (2018). Este livro se concentrou em fotolivros contemporâneos de mulheres e cobriu o período de 2000 a 2018. Quando esta publicação foi lançada e sua sala de leitura estava em turnê, muitos membros do público nos perguntaram sobre os livros que vieram antes de 2000. Decidimos realizar a pesquisa para esse período anterior, começando com o primeiro fotolivro de Anna Atkins em 1843. Em certo sentido, trabalhamos para trás. Já havíamos explorado uma seleção contemporânea global com How We See, então era certo que What They Saw também seria global. Incluímos em How We See uma pequena seção ao final com uma lista de livros históricos para servir de contexto de suporte para os livros contemporâneos apresentados. Esta lista de livros veio de 10 especialistas regionais (historiadores, bibliotecários, curadores, etc.) Para o What They Saw, usamos esta lista como ponto de partida. Em seguida, aprofundamos a pesquisa dentro de cada região para expandir essa lista. Colecionadores de livros, historiadores e bibliotecários foram todos muito generosos com seu conhecimento local e, assim, pudemos expandir nossa seleção para que pudesse refletir o maior número possível de regiões. Também incluímos no What They Saw uma “linha do tempo” que percorre todas as páginas. Na linha do tempo estão livros que podem ter sido colaborações entre homens e mulheres, livros com conteúdos pouco claros ou eventos que podem ter inspirado a fotografia impressa por mulheres (revistas, coletivos fotográficos, eventos feministas e editoriais).

Na opinião de vocês, qual o impacto do apagamento de tantos nomes de mulheres fotógrafas na história da fotografia? O que perdemos com essa lacuna?

RL: Com o apagamento sentimos muita falta. A história às vezes pode se assemelhar a um elástico. Algumas vezes ele se expande para as mulheres (como o movimento feminista da segunda onda dos anos 1970) e depois se contrai (como agora nos EUA com a atual decisão da Suprema Corte contra o aborto legalizado). Havia tantas mulheres fazendo livros a partir da década de 1970, mas tão poucas delas são notadas nas antologias de fotolivros existentes que foram lançadas a partir de 1999. Em 2017, quando iniciamos How We See, realizamos uma análise estatística do número de livros de mulheres nessas antologias de fotolivros (10,5%) e quantas editoras lançaram fotolivros de mulheres entre 2013 e 2017 (16,2%). Havia outras estatísticas que coletamos, mas para resumir, acho que as duas acima dizem muito sobre a falta de representação das mulheres na história do fotolivro. Nesse sentido, percebemos que somos capazes de reescrever uma nova história com as vozes ausentes das mulheres. Durante nossa pesquisa nos perguntamos se existem atributos distintivos nos fotolivros femininos. E nossa resposta é um sonoro “Não”. Mulheres de todo o mundo, de diferentes origens socioeconômicas, criam muitos tipos diferentes de livros. É tão diverso quanto qualquer outro gênero ou grupo regional. É claro que existem alguns tópicos específicos para mulheres, mas livros de mulheres não são exclusivos desses assuntos. O objetivo de nossa pesquisa é abrir uma fresta na porta e fornecer um espaço para que outros continuem nossa pesquisa. Para atingir esse objetivo, o 10×10 Photobooks agora concede bolsas para pesquisas na história do fotolivro com foco em vozes marginalizadas. O ciclo para bolsas sobre a história do fotolivro deste ano se concentrará em pesquisas feitas por e sobre mulheres da Ásia, África ou Oceania. ///

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O livro What They Saw está à venda no site da 10×10 Photobooks

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