Sumário 14

Publicado em: 27 de abril de 2018

A fotografia apresenta o outro, semelhante ou diferente. Na capa da edição, uma noiva reencena o casamento em uma das milhares de imagens produzidas por Afonso Pimenta nos anos 1980 no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte. Por encomenda ou iniciativa própria, Pimenta documentou o cotidiano e a intimidade de seus vizinhos, que tinham pouco acesso à fotografia.

As marcas do tempo não impediram o conjunto de se tornar um arquivo raro e precioso da vida privada no país. O alemão Wolfgang Tillmans despontou nos anos 1990 ao registrar a vida social e sexual de seus amigos. O desdém pela tradição e a entrega ao hedonismo foram o combustível de uma renovação estética e de costumes depois da queda do Muro de Berlim. O missionário Martin Gusinde não pôde impedir um genocídio, mas seu estudo metódico sobre os povos da Terra do Fogo, realizado anos depois, preservou o encantamento daquelas culturas. As revoltas que se seguiram à morte de Rodney King despertaram na holandesa Dana Lixenberg o desejo de registrar os moradores da periferia de Los Angeles com uma dignidade que muitos preferiam manter invisível.

Nos anos 1970, a artista Anna Bella Geiger vestiu a pele do outro para encarar estereótipos e ufanismos; hoje, o suíço Yann Gross descobre uma Amazônia que combina tradição e exotismo.

A arte se alimenta da escrita. Há 90 anos, Aleksandr Ródtchenko combatia a voz única e autoritária da pintura em favor da multiplicidade da fotografia, num manifesto ainda mais retumbante se lido à luz de ferramentas de busca como o Google. O belga David Claerbout explica por que o sonho de liberdade prometido pela animação digital apenas reforça o senso comum e a estética dominante.Com os memes, vislumbramos o futuro, onde o absurdo simbólico e o humor subversivo – mas também preconceituoso e agressivo – diz mais sobre nós do que gostaríamos.