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O fotógrafo americano Thomas Hobbs retrata a comunidade queer de Iquitos, na Amazônia peruana

Publicado em: 28 de agosto de 2018

Johan, 2012, do livro Maravilla del mundo, de Thomas Locke Hobbs. Cortesia do autor.

Por oito anos, o fotógrafo norte-americano Thomas Locke Hobbs viajou para a cidade de Iquitos, no coração da Amazônia peruana, para registrar a vida e o cotidiano da jovem comunidade gay dessa remota localidade. “Encontrei em Iquitos uma comunidade queer e trans com um grau de visibilidade que eu não vi em outro lugar”, conta Hobbs. Resultado desse projeto, o livro Maravilla del mundo acaba de ser lançado pelo fotógrafo, que continua a visitar o Peru para novos projetos.

ZUM conversou com Thomas Hobbs sobre o projeto em Iquitos e sua ligação com a América Latina.

O que o levou ao meio da Amazônia peruana, na remota Iquitos, para retratar jovens gays em um país, e um continente, onde a homossexualidade é um tabu ainda muito presente?

Thomas Hobbs – Em 2011 tive a oportunidade de viajar e já era curioso sobre Iquitos. Sabia dessa remota cidade de olhar nos mapas, e também havia visto uma pintura em um catálogo do artista local Christian Bendayán que retrata um jovem homem feminino, metade golfinho, banhando-se nas margens de um rio. A pintura sugeria uma relação diferente com a sexualidade do que eu imaginava anteriormente sobre o Peru. Encontrei em Iquitos uma comunidade queer e trans com um grau de visibilidade que eu não vi em outro lugar. Isso não quer dizer que não haja homofobia ou marginalização, mas a cultura deles parecia oferecer um lugar para existir, algo aparentemente ausente em outros lugares.

As suas fotos revelam certo grau de intimidade com os seus retratados, algo que demanda tempo e empatia. Foram muitas viagens ao Peru para realizar o projeto? Como você foi recebido em Iquitos?

TH – Tenho viajado anualmente para Iquitos desde 2011, normalmente ficando por lá um ou dois meses. Geralmente passo algumas horas fotografando alguém que já tenha concordado em participar do projeto, podendo ir a algum local que eu já tenha ido anteriormente. Também tento manter contato com as pessoas que já fotografei e fazer mais fotos em visitas subsequentes. Eu costumava dar fotos impressas para os retratados, mas hoje em dia a maioria prefere grandes quantidades de fotos digitais para seus feeds de mídia social, então passei a usar uma câmera digital além do meu equipamento de médio formato analógico.

No início, fiquei surpreso com o quão bem recebido eu fui pelos jovens locais. Por parte deles, houve uma grande vontade de participar e ser fotografado. Acho que parte disso é cultural, mas há também a inegável dinâmica que resulta do fato de eu ser um forasteiro, um estrangeiro neste lugar. E também um desejo por parte desses jovens de serem vistos, de transcender, em certo sentido, as condições do lugar e de suas vidas através dos retratos. Há um duplo olhar vinculado pelo desejo, o meu próprio como fotógrafo e o do fotografado em direção à câmera e, por extensão, ao espectador.

Você nasceu nos Estados Unidos, estudou fotografia na Argentina e realizou este trabalho no Peru. De onde vem sua relação com a América Latina? De algum modo você se preocupou em fugir de uma visão colonialista no seu trabalho?

TH – Eu morei na Argentina de 2008 a 2011, mudando-me por conta de um relacionamento. Foi lá que comecei a estudar fotografia seriamente. Não tenho família na América do Sul e nem havia planos para gastar tanto tempo trabalhando por aqui, mas agora já são quase oito anos morando na região. Falo espanhol fluentemente e português razoavelmente. Uma coisa que você percebe quando passa tanto tempo em um país que não é seu é que você nunca deixa de ser um estranho. A assimilação é um mito. Acho que o importante para mim é que essas fotos, embora sejam visões subjetivas de um lugar, não estão presas a uma fantasia que estou impondo. Eu tento manter uma abertura para as pessoas e colocá-las como são, enquanto conservo minha perspectiva como uma pessoa de fora. Espero que haja algum valor nisso.

Nas grandes cidades do Brasil vivemos um momento especialmente intolerante e violento contra a comunidade LGBT, que luta para ter seus direitos reconhecidos frente a um retrocesso em relação aos direitos civis. Esse cenário é diferente em uma comunidade pequena e no meio da selva?

TH – O status político e civil da comunidade queer no Peru é tema de ativo debate. O país fica atrás dos seus vizinhos no que diz respeito a punir crimes de ódio, no reconhecimento do casamento homoafetivo ou no direito das pessoas trans de fazer com que seus documentos reflitam suas identidades. A luta por esses direitos gerou um retrocesso, particularmente em Lima, com o movimento odiosamente chamado #ConMisHijosNoTeMetas.

Várias das pessoas que fotografei são ativas em organizações civis e políticas envolvidas nessa luta. Iquitos é uma cidade de porte médio, com cerca de meio milhão de habitantes e é, até certo ponto, um refúgio para pessoas de aldeias menores da região. A visibilidade que mencionei anteriormente não imuniza os homossexuais contra a marginalização e a violência, e a luta contra esse estado das coisas é explícita e contínua.

Você está publicando Maravilla del mundo em formato de livro. É o final do projeto? Existe algum desdobramento deste trabalho em andamento?

TH – Atualmente, estou trabalhando em três ou quatro projetos no Peru que espero desenvolver nos próximos anos. Quero e planejo continuar voltando para Iquitos. Estou orgulhoso com o trabalho no livro, mas tenho novas ideias e as pessoas e lugares mudam. Sinto que ainda tenho mais a dizer.///

 

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