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A fotógrafa Lara Tabet registra seu cotidiano nômade após a explosão no porto de Beirute

Lara Tabet Publicado em: 15 de dezembro de 2020

Foto da série Em espaços temporários e casas improvisadas. Os prazeres e terrores do conforto doméstico, de Lara Tabet, 2020

No início de agosto deste ano, Beirute foi atingida por uma explosão na área portuária da cidade. Uma tragédia com quase 200 mortos e 5 mil pessoas desabrigadas, entre elas a fotógrafa Lara Tabet. No Brasil para uma residência artística de apoio a artistas libaneses, Lara conversou com a ZUM e contou como foi estar no meio de uma tragédia de tais proporções e como fotografar está ajudando em seu processo de cura.

 

 

Você estava em Beirute quando aconteceu a explosão? Como você foi atingida?

Lara Tabet: No dia 4 de agosto eu estava em meu apartamento fazendo feijão. Olho da minha janela que dá para o porto e vejo um grande incêndio. Um barco em chamas, pensei. Pego minha câmera e começo a tirar fotos, o fogo se intensifica. O apartamento está vibrando e minha parceira grita para eu me juntar a ela no corredor. Não tenho tempo. Um barulho muito alto perfura meu tímpano e sou empurrada de costas contra a parede por uma onda de fumaça branca. O tempo para. Me levanto e vejo que nós duas estamos bem. Estou sangrando muito, mas viva. Descemos as escadas ensanguentadas até o hospital ao lado. Ele está completamente destruído. Como poderíamos ter pensado que não estaria?

No dia seguinte voltei para casa. Está em ruínas. Meus amigos tinham ido lá antes de mim e enviaram imagens para tentar aliviar meu choque. Em três dias coloquei tudo em caixas. E cerca de 60 voluntários me ajudaram a limpar os escombros sem fim.

 

 

Começar a fotografar o seu entorno foi uma maneira que você encontrou para lidar com o que estava acontecendo na sua vida naquele momento?

LT: Sempre fotografo meu entorno. Mas no dia da explosão, vagando pelas ruas devastadas, não fiz uma única imagem. Da minha casa destruída só tenho o vídeo que meu amigo me enviou e que passo adiante, sem pensar em indenização do seguro ou algum auxílio-socorro. Mesmo as ruas eu não fotografei. Foi apenas um mês depois que comecei a tirar fotos de minha forçada vida nômade de uma casa temporária para outra. Foi o ponto de partida para uma série de fotos no Instagram com o título “Em espaços temporários e casas improvisadas. Os prazeres e terrores do conforto doméstico”. São fotografias que se alternam entre a fantasia e a representação idílica da vida nômade e a dura realidade de alguém que perdeu sua casa.

 

 

Você está no Brasil agora, em uma residência artística numa praia no litoral norte do estado de São Paulo. Como isso aconteceu e como é o trabalho que está surgindo dessa experiência?

LT: A Plataforma Temporária de Arte [projeto conjunto do Instituto Goethe e da Kaaysá Art Residency] quis usar sua estrutura para criar e financiar esta residência de socorro, com o objetivo de fornecer atendimento e hospitalidade para artistas afetados pela explosão. Participamos de uma residência artística na praia, nas proximidades de cachoeiras da mata atlântica. Tínhamos três refeições servidas e muitos convidados. Foi um momento necessário para digerir lentamente o trauma a que fomos submetidos, tanto no corpo quanto na mente. Uma experiência traumática contínua que começou com o levante libanês, continuou durante o colapso econômico e a pandemia, culminou com a explosão e ainda continua em suas horríveis consequências.

 

Foto da série Em espaços temporários e casas improvisadas. Os prazeres e terrores do conforto doméstico, de Lara Tabet, 2020

 

Essa tragédia mudou de alguma maneira o seu trabalho artístico?

LT: Este ano em geral, e a explosão em particular, me fizeram questionar a relevância do meu trabalho como artista. O que significa ser artista nos dias de hoje?

Passei a primeira parte do ano nas ruas, sendo mais ativista do que artista. Para fazer imagens que talvez nunca usasse, mas que funcionassem como uma maneira de estar lá e que fossem ancoradas nas demandas que estávamos fazendo.

A explosão como tal me fez perceber a ciclicidade da formação de imagens a que estamos sujeitos. A destruição e suas consequências em Beirute. Algo que sinto ter fotografado a minha vida toda. A guerra civil, a guerra de 2006 contra Israel. Os mesmos tipos de imagens passando diante dos meus olhos, como um carrossel quebrado. Agora, pouco a pouco, estou recuperando a vontade de realizar trabalhos. Às vezes, sinto que isso é importante. Mas, principalmente, que é importante para mim. ///

 

 

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