Radar

Cor ou preto e branco? Razões de uma escolha

Mauricio Puls Publicado em: 11 de março de 2016
Katy Grannan, Anônimo, LA, 2009, da série "Bulevar". © Katy Grannan, cortesia Fraenkel Gallery, São Francisco; e Walker Evans, a meeira Allie Mae Burroughs. © Library of Congress/Getty Images

Katy Grannan, Anônima, LA, 2009, da série “Bulevar”. © Katy Grannan, cortesia Fraenkel Gallery, São Francisco; e Walker Evans, a meeira Allie Mae Burroughs. © Library of Congress/Getty Images

O que distingue uma fotografia colorida de outra em preto e branco? A resposta é tão óbvia que os estudiosos não se sentem à vontade diante de uma questão tão simples: todos sabemos qual é a diferença. Mas, justamente por ser um problema elementar, poucos se dedicam a refletir sobre o tema, o que nos deixa no impasse apontado por Hegel na Fenomenologia do espírito: o que é bem conhecido, justamente por ser bem conhecido, não é reconhecido.

A dificuldade para abordar o assunto reside nessa aparente simplicidade. Tratemos então de explicitar aquilo que todo mundo já sabe. Existe uma diferença entre uma foto colorida e outra em preto e branco, claro, mas por que ela deveria atrair nossa atenção? Afinal, toda foto não consiste sempre em uma imagem capturada por meio de uma câmera?

É verdade que toda fotografia é uma imagem, mas o aspecto de cada gênero de fotos é bastante diferente. Um fenômeno semelhante ocorre na escultura. Uma estátua de bronze não se parece com uma obra em mármore. Mas elas não diferem apenas na coloração e na textura: são produzidas por meio de processos de trabalho muito diversos. A primeira é obtida a partir da modelagem da argila, que dá origem à fôrma na qual o metal derretido se transfigura em estátua; já a segunda é produzida por meio do desbaste paulatino de blocos de pedra. As duas são consideradas esculturas, mas modelar a argila e entalhar a pedra são métodos diferentes e produzem resultados diferentes.

A analogia com a escultura, contudo, aparentemente se esgota aqui. Embora fotos coloridas e em preto e branco tenham aspectos distintos, o processo de trabalho é sempre o mesmo: nos dois casos uma cena real é registrada num suporte físico. Só que a diferença essencial, no caso da fotografia, não reside no método, e sim na matéria-prima inscrita nesse suporte: a substância das imagens em preto e branco é a luz, enquanto a das coloridas é a cor.

Luz e cor obedecem a lógicas muito diversas. A primeira se manifesta nas imagens por meio de uma escala linear que contrapõe valores antagônicos: claridade (presença da luz) e escuridão (ausência). Já a segunda se explicita num círculo de matizes diferentes, mas complementares. Assim, a luz é regida por uma dialética dos opostos, e a cor, por uma dialética dos distintos.

É por essa razão que as fotos em branco e preto em geral parecem mais dramáticas e mais trágicas do que as fotos coloridas: é que as primeiras ressaltam os conflitos, as contradições. As imagens coloridas usualmente parecem mais amenas, mais contidas: elas substituem o tom épico das fotografias em preto e branco por um registro mais natural. Isso não significa que não existam inúmeras fotos coloridas extraordinariamente comoventes, impactantes. Mas, ao que tudo indica, o emprego do claro-escuro aparentemente aumenta a nossa capacidade de expressar as paixões humanas. Compare-se, por exemplo, estas duas fotos de Maureen Bisilliat: mesmo a imagem colorida deve boa parte de sua força às profundas áreas de sombra.

Maureen Bisilliat, "Menino anjo", São José do Rio Pardo, 1963; e "Vaqueiro descansa após vaquejada", Morada Nova, Ceará, c. 1970. © Acervo Instituto Moreira Salles

Maureen Bisilliat, “Menino anjo”, São José do Rio Pardo, 1963; e “Vaqueiro descansa após vaquejada”, Morada Nova, Ceará, c. 1970. © Acervo Instituto Moreira Salles

Essa distinção pode, contudo, suscitar alguma estranheza: a cor não é um desdobramento da luz? Sim, mas, nesse processo, apenas a luz se divide em cores: o polo antagônico, a escuridão, permanece inteiramente fora dessa transmutação. As cores derivam apenas do polo positivo (da tese), e não do polo negativo (da antítese): elas constituem apenas diferenciações da luz, e não da treva. A contradição desapareceu: só restaram as subdivisões de um mesmo elemento.

Assim, enquanto as fotos em preto e branco destacam a oposição entre dois termos antagônicos (luz e treva), as fotos coloridas só registram as diferenças entre múltiplos termos. O branco é a negação do preto, mas o vermelho não se opõe ao azul, nem este ao amarelo: são apenas matizes distintos, que subsistem lado a lado ou mesclados nas cores derivadas.

Como se baseiam numa contraposição de valores antagônicos, as fotos em preto e branco são mais propícias à expressão de juízos éticos sobre a realidade, pois o claro e o escuro estão tradicionalmente associados a conceitos polares: vida e morte, bem e mal, verdade e falsidade. “Encontra-se o dualismo de duas forças antagônicas na mitologia e filosofia de muitas culturas […] O dia e a noite tornam-se a imagem visual do conflito entre o bem e o mal. A Bíblia identifica Deus, Cristo, a verdade e a salvação com a luz, e o ateísmo, o pecado e o Diabo com a obscuridade”, explica Rudolf Arnheim em seu livro  Arte e percepção visual.

Isso não significa que os valores atribuídos ao branco e ao preto sejam fixos: há mitologias que destacam o caráter fecundante do negro (pois tudo nasceu das trevas) em oposição à esterilidade do branco. Só que o ponto fundamental reside no fato de que sempre há uma contraposição direta entre os dois polos: um deles desempenha um papel positivo, e o outro, negativo. E, com base nessa polaridade, expressamos nossa visão acerca do homem e do mundo. Como explicou Goethe em sua Doutrina das cores, os artistas renascentistas pintavam figuras escuras em um fundo claro, e os barrocos dispunham figuras claras num fundo escuro.

Esse antagonismo não se manifesta nas fotos coloridas, que se configuram como um mosaico de materiais diversos. É certo que podemos atribuir alguns significados às cores, mas estes são bastante fluidos – e provêm sempre das propriedades concretas dos entes coloridos que lhes servem de suporte (céu, sol, sangue, planta, terra, água). Tais sentidos difusos não possuem, nem remotamente, a densidade que caracteriza os conceitos de claro e escuro.

O círculo cromático está portanto vinculado à realidade concreta, visível, ao passo que a escala linear de cinzas só surge a partir de uma abstração – da subtração da primeira camada do real. Assim, enquanto as fotos coloridas tendem a mostrar o ser – a realidade tal como se mostra aos nossos olhos –, as fotos em preto e branco permitem a expressão de um dever-ser.

Um exemplo tirado da nossa vida cotidiana talvez ilumine essa questão. Sabemos que as pessoas gostam de cores vivas: os levantamentos internacionais sempre apontam o azul, o vermelho, o verde. Contudo, quando compram seus automóveis, elas optam, em sua grande maioria, pela escala P&B: preferem carros brancos, prateados, cinzentos, pretos.

Como explicar esse paradoxo? Segundo Pastoureau em seu Dicionário das cores do nosso tempo, ele resulta do fato de que a escolha da cor ocorre por exclusão. O vendedor exibe um extenso mostruário, mas as possibilidades à mão são restritas: uma cor só estará disponível em três meses, outra exige um pagamento extra, outra não existe para o modelo desejado. A escolha se faz por exclusão a partir das três ou quatro cores disponíveis: “O cliente elimina aquilo que o repugna e escolhe, não a cor de que gosta, mas a que lhe desagrada menos”.

A explicação de Pastoureau é atraente porque se baseia na vivência dos consumidores. Mas, quando se observa a notável predominância do branco, do preto e do cinza no mundo inteiro, essa explicação precisa ser complementada. É isso o que observa Siegfried Kracauer em sua análise sobre os rumos da produção cinematográfica, que consta de seu livro De Caligari a Hitler. Toda indústria precisa se ajustar às demandas dos consumidores: “O espectador norte-americano recebe o que Hollywood quer que ele receba; mas, a longo prazo, os desejos do público determinam a natureza dos filmes de Hollywood”.

Se é assim, por que as massas preferem comprar automóveis na escala preto e branco, se elas no fundo preferem o círculo cromático? Porque as pessoas sabem que serão julgadas publicamente por suas escolhas. Como diz Pastoureau, “todos somos julgados, classificados, hierarquizados, postos em números e em discursos, quer queiramos ou não, segundo a cor do nosso carro”. Assim, quando escolhem um veículo em preto e branco, as pessoas ostentam não o que elas são, mas sim o que elas deveriam ser – mais sóbrias, elegantes, respeitáveis.

O dever-ser é a fachada social de cada proprietário. Cada indivíduo busca aparecer socialmente como algo que ele gostaria de ser, mas não é. O uso da escala em preto e branco para emitir juízos morais sobre o mundo se baseia nessa predisposição inconsciente das massas. Tal atitude é tão comum que não se reflete só na fotografia. Quando Picasso pintou Guernica, deixou o quadro praticamente sem cores. A série Retirantes, de Portinari, deve sua força aos contrastes de luz e sombra, e o negro domina a capela de Rothko em Houston. A mesma opção é frequentemente adotada no cinema: quantos diretores não preferiram filmar suas obras em preto e branco, mesmo tendo à mão a possibilidade de usar as cores?

A cor, ao contrário, permite reproduzir a realidade da forma mais fiel possível. Pesquisas que comparam o emprego de maquetes, fotos coloridas e fotos em preto e branco como instrumentos de representação de edifícios chegaram à conclusão que as imagens mais realistas são precisamente aquelas oferecidas pelas fotos coloridas.

Em certo sentido, a foto colorida se apresenta como uma abordagem mais “neutra” diante do mundo – como um retrato mais “objetivo” da realidade. Elas reproduzem a aparência das coisas da forma mais exata, ao passo que as imagens em preto e branco produzem um efeito de estranhamento que visa destacar a essência do real.

O filósofo Vilém Flusser tratou dessa questão em sua Filosofia da caixa preta. Segundo ele, a realidade é colorida. O preto e o branco são apenas abstrações descoladas da vida prática: “As fotografias preto e branco são a magia do pensamento teórico, conceitual, e é precisamente nisso que reside seu fascínio. Revelam a beleza do pensamento conceitual abstrato. Muitos fotógrafos preferem fotografar em preto e branco porque tais fotografias mostram o verdadeiro significado dos símbolos fotográficos: o universo dos conceitos”.

É fácil notar que Flusser retira o núcleo de sua argumentação de uma fala de Mefistófeles no Fausto, de Goethe: “Cinzenta, caro amigo, é toda teoria, e Verde a dourada árvore da Vida!”. Mas não há nenhuma dúvida acerca desse ponto: a produção de uma foto em preto e branco exige a remoção de toda uma camada do real, isto é, a supressão das cores que envolvem os objetos.

Aí reside a segunda diferença entre as fotos em preto e branco e as coloridas: as primeiras destacam a estrutura da imagem, as últimas ressaltam sua superfície. Flusser tem razão quando sustenta que as fotos em preto e branco agradam aos teóricos: para Platão, Sêneca e Rousseau, toda aparência é uma casca enganosa que recobre uma essência muito diversa. Não é por acaso que muitos dos que acreditam que a função da arte é “dizer a verdade” sobre o real, como os diretores do neorrealismo italiano, prefiram o preto e branco.

Mas, embora essa superfície possa distrair o contemplador, desviando o olhar da essência para a aparência das coisas, ele não é uma mentira, e sim uma forma de capturar os detalhes do mundo sensível. Essa missão talvez exija do fotógrafo um esforço ainda maior, pois quem trabalha com nuances está mais sujeito ao desastre. Por exemplo, o filósofo Nicolai Hartmann observa em sua Estética que as músicas de Bach permitem entrever a sua estrutura mesmo quando são executadas por um diletante, ao passo que as composições de Debussy são simplesmente destruídas por uma performance ruim. Talvez o mesmo se aplique à fotografia.

Em resumo: as fotos em preto e branco destacam a estrutura formal da cena e são regidas por uma dialética dos opostos, enquanto as fotos coloridas ressaltam a superfície material do objeto e se baseiam numa dialética dos distintos. Assim, as primeiras são mais abstratas e contrastantes, as últimas, mais concretas e nuançadas.

Porém, se cada gênero opera com matérias-primas e objetivos distintos, por que o caráter artístico das fotos coloridas demorou tanto a ser reconhecido? A primeira razão reside na desqualificação da mimese como um dos fundamentos da arte – uma crítica formulada pelas chamadas vanguardas artísticas, que se tornou corrente no início do século XX.

Essa condenação do realismo atingiu a fotografia como um todo, mas provocou seus maiores estragos nas fotos coloridas. Basta lembrar que o Museu de Arte Moderna de Nova York começou a promover exposições de fotos em preto e branco já em 1932, mas a sua primeira mostra de fotos em cor, dedicada a William Eggleston, só aconteceu em 1976.

A resistência à cor tem raízes profundas. Adam Smith discute essa questão em seu ensaio Da natureza da imitação que tem lugar nas chamadas artes imitativas. Ele começa afirmando que “é evidente que a imitação mais perfeita de um objeto de qualquer classe deverá ser outro objeto da mesma classe, que copie o mesmo modelo do modo mais exato possível”. Contudo, qualquer que seja o mérito deste segundo objeto, o fato de ser uma imitação reduz consideravelmente o seu prestígio, pois sempre consideramos que o original é mais valioso.

A coisa muda inteiramente de figura quando um objeto de uma classe imita um objeto de outra classe: “Uma tela pintada por um laborioso artista holandês, sombreada e colorida para representar a textura e a suavidade de um tecido de lã, pode derivar algum mérito por se parecer inclusive com o triste tapete que jaz agora a meus pés. Neste caso a cópia pode ser e provavelmente é muito mais valiosa que o original” – fato que Aristóteles já tinha assinalado na sua Poética (“Contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas que olhamos com repugnância”).

Dessa comparação Adam Smith extrai um princípio geral: quanto maior a disparidade entre o objeto imitador e o objeto imitado, maior o prazer estético proporcionado pelo primeiro. Em sua demonstração, ele compara a pintura à escultura – e então aborda o problema da cor: “Não é a falta de colorido que faz que muitas coisas que comprazem na pintura não o façam na escultura, mas a falta desse grau de disparidade entre o objeto imitador e o imitado, que é necessário para tornar interessante a imitação de um objeto que em si mesmo não o é. Quando a cor se acrescenta à estatuária, longe de incrementar o prazer que recebemos graças à imitação, ela o destrói quase por completo, pois elimina a principal fonte desse prazer: a disparidade entre o objeto imitador e o imitado. Que um objeto sólido e colorido seja a réplica fiel de outro objeto sólido e colorido não parece despertar grande assombro ou admiração. Uma estátua pintada, ainda que certamente possa se assemelhar à figura humana muito mais exatamente que qualquer estátua não pintada, é geralmente considerada algo desagradável e até ofensivo”.

A exposição de Adam Smith traz à tona o problema fundamental: uma fotografia constitui um objeto de uma classe (bidimensional) que em geral reproduz objetos de outra classe (tridimensionais). Sucede, portanto, que as imagens em preto e branco estão muito mais distantes da realidade do que as coloridas. É precisamente essa maior “disparidade” em relação ao objeto real que predispõe as primeiras a receber um maior grau de aceitação.

É possível que esse preconceito contra a cor se baseie em clivagens de classe: aristocratas e burgueses sempre se inclinaram para a sobriedade refinada do claro-escuro, enquanto os trabalhadores rurais e urbanos preferiam as cores vivas. A teoria estética não escapou disso: a precedência da forma sobre a matéria é uma constante no pensamento ocidental.

Nos dias de hoje, contudo, tais preconceitos – contra a mimese e contra a cor – perderam grande parte de sua força. Os fotógrafos contemporâneos dispõem assim dessas duas matérias-primas. Então, o que leva alguém a se aproximar ou a se distanciar do real?

Como explica Wilhelm Worringer em Abstração e empatia, o sentimento estético move-se entre dois planos: a identificação e a negação. Se o mundo é uma fonte de confiança e esperança, o prazer estético nasce da empatia com o objeto; contudo, se a realidade infunde medo e inquietação, o artista mobiliza a tendência à abstração.

O emprego da cor e do preto e branco depende dessa predisposição do sujeito. Se o real é avaliado como algo essencialmente positivo, o artista tende a se inclinar para um estilo mais concreto (e isso vem desde o naturalismo primitivo até o atual hiper-realismo).  Porém, se a realidade é considerada essencialmente negativa, a representação se descola do plano sensível e assume uma configuração mais abstrata (do geometrismo antigo aos estilos não figurativos).

Dorothea Lange, "Mãe migrante", Califórnia, 1936. © Library of Congress/Getty Images; e William Eggleston, da série "Los Alamos", 1965-1974 © Eggleston Artistic Trust. Cortesia de Cheim & Read, Nova York

Dorothea Lange, “Mãe migrante”, Califórnia, 1936. © Library of Congress/Getty Images; e William Eggleston, da série “Los Alamos”, 1965-1974. © Eggleston Artistic Trust, cortesia de Cheim & Read, Nova York

Consideremos alguns exemplos relativos à fotografia. A foto de uma Mãe migrante feita em 1936 por Dorothea Lange na Califórnia retrata o impacto da Grande Depressão. A expressão preocupada da mulher, a aflição de seus filhos, as roupas puídas – tudo indica que a realidade é uma fonte de infelicidade e, por isso, precisa ser transformada.

Agora, se observarmos um retrato de uma senhora tirado por William Eggleston, que consta da série Los Alamos, também nos deparamos com uma mulher preocupada. Mas há diferenças importantes. O mundo circundante já não é uma fonte de medo – ao contrário, o cenário é belíssimo. A senhora talvez se sinta intimidada pela intromissão do fotógrafo, mas não está mal vestida. Sofre provavelmente os efeitos da idade, contudo isso faz parte da condição humana. Nada é perfeito, mas por que razão essa realidade deveria ser transformada?

Isso não significa, evidentemente, que as fotos coloridas não sejam capazes de expressar a negatividade do real. A questão é que nelas a negatividade tende a deslizar para um plano mais concreto – para a esfera do indivíduo (da singularidade). Por exemplo, as imagens coloridas tiradas por Katy Grannan na série Bulevar retratam pessoas desajustadas. Quando olhamos para as fotos, somos induzidos a pensar: estas pessoas têm problemas, sobre isso não resta a menor dúvida. Mas parecem ser problemas individuais, e não questões sociais.

A negatividade tende a mudar de patamar quando observamos uma foto em preto e branco, porque o significado desliza para um plano mais abstrato – para a esfera da sociedade (da universalidade). Quando nos defrontamos com as fotos de agricultores pobres produzidas por Walker Evans na década de 1930, tendemos a acreditar que não são apenas aquelas pessoas que enfrentam dificuldades: o mundo inteiro é um problema. A dor da personagem expressa um sentimento coletivo, e não apenas individual.

As fotos em preto e branco desempenham nesses casos o papel de manifestos que condenam uma situação social inaceitável, a qual demanda a intervenção do espectador. No caso das imagens coloridas, a crítica do presente tende a resvalar para uma ironia – provavelmente a principal categoria estética da pós-modernidade – carregada de resignação: em vez de revolta contra o real, elas em geral suscitam pena, indiferença ou aversão.

Uma mesma cena adquire registros diferentes se ressaltamos as nuances da cor ou os contrastes do preto e branco. Assim, essa escolha precisa sempre levar em conta o objetivo de cada artista: a descrição do que é ou a expressão do que este deveria ser.///

+
Abstración y naturaleza, de Wilhelm Worringer (Fondo de Cultura Económica, 1975)
Arte e percepção visual, de Rudolf Arnheim (Edusp, 1980)
Doutrina das cores, de J. W. Goethe (Nova Alexandria, 1993)
De Caligari a Hitler: Uma história psicológica do cinema alemão, de Siegfried Kracauer (Zahar, 1988)
Dicionário das cores do nosso tempo, de Michel Pastoureau (Estampa, 1993)
Ensayos filosóficos, de Adam Smith (Pirámide, 1998)
Estética, de Nicolai Hartmann (Universidad Nacional Autónoma de México, 1977)
Fenomenologia do espírito, de Hegel (Vozes, 1993)
Filosofia da caixa preta, de Vilém Flusser (Hucitec, 1985)
Poética, de Aristóteles (Abril Cultural, 1979)

 

Mauricio Puls é formado em ciências sociais pela USP. Escreveu os livros Arquitetura e filosofia (Annablume, 2006) e O significado da pintura abstrata (Perspectiva, 1998). É colaborador do jornal Folha de S.Paulo e escreveu sobre o trabalho Avenida Celso Garcia, de Lucia Mindlin Loeb, para a ZUM #9.

 

Leia também: “Retrato ou paisagem? Ou: Por que giramos a câmera?“, de Mauricio Puls. 

Tags: , , , , ,