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Entrevista: A produção feminina de fotolivros é tema de livro da 10×10 Photobooks

Publicado em: 13 de dezembro de 2019

Livro Como vemos: Fotolivros por mulheres, editora 10×10 Photobooks, 2019. Reprodução.

A 10×10 Photobooks é uma organização norte-americana criada em 2012 com o objetivo de discutir e divulgar a produção de fotolivros ao redor do mundo. Trabalhando desde sempre no formato de sala de leituras temáticas, eventos presenciais que acontecem em vários países em que especialistas se reúnem com pessoas interessadas (editores, fotógrafos, pesquisadores) para debater uma seleção coletiva de fotolivros, a 10×10 é também uma editora, responsável por lançar um livro sobre os livros selecionados e discutidos após a rodada temática de sala de leituras. Seu mais recente projeto é o livro Como vemos: Fotolivros por mulheres, dedicado a livros produzidos por fotógrafas e selecionados por um conjunto de dez mulheres/pesquisadoras/fotógrafas.

ZUM conversou com Olga Yatskevitch e Russet Lederman, confundadoras da 10×10, e Michael Lang, diretor responsável pelas salas de leituras da organização. 

Livro Como vemos: Fotolivros por mulheres, editora 10×10 Photobooks, 2019. Reprodução.

A 10×10 Photobooks é uma organização que tem como missão “conscientizar e engajar a comunidade global do fotolivro”. As primeiras publicações de vocês tiveram como recorte a pesquisa na produção de fotolivros em determinadas regiões geográficas (Japão, EUA, América Latina). O que motivou a escolha de um tema específico, como livros feitos por mulheres?

Olga Yatskevich: A 10×10 começou com uma ideia muito simples – trazer para Nova York fotolivros japoneses contemporâneos que não são facilmente acessíveis através da distribuição normal. Nossa primeira sala de leitura, a 10×10 Fotolivros japoneses, foi lançada em 2012. Desde então, organizamos quatro grandes salas de leitura. Essas salas de leitura também resultaram em publicações “livros sobre livros”, que servem como documentação criativa e guia de referência. Para nossa segunda sala de leitura, fomos convidados pelo Instituto de Fotografia de Tóquio a fazer um projeto no Japão e trouxemos o 10×10 fotolivros americanos. Na sequência, fizemos uma sobre fotolivros contemporâneos latino-americanos. Existem muitos ótimos livros publicados na região, mas que não chegam às livrarias nos Estados Unidos ou na Europa. Descobrimos grandes livros.

Nossos projetos geralmente envolvem longas sessões de discussão e brainstorming, que ajudam a identificar áreas essenciais e negligenciadas naquele momento específico. Nós três sentimos que era hora de explorar em profundidade os fotolivros feitos por mulheres. Esse assunto sempre esteve em nossas mentes, de uma maneira ou de outra. A sala de leitura sobre esse tema parecia o próximo passo. Era apenas uma questão de definir os parâmetros e o escopo do projeto Como vemos: Fotolivros por mulheres. O objetivo deste projeto não é isolar esses livros, mas examinar mais de perto seus atributos de design, conteúdo e conceituais como um meio de entender e restabelecer seu lugar dentro de práticas mais inclusivas de fotolivros.

Livro Como vemos: Fotolivros por mulheres, editora 10×10 Photobooks, 2019. Reprodução.

Como foi o processo de elaboração (pesquisa, seleção, design, etc) do Como vemos: Fotolivros por mulheres? Houve alguma diferença marcante em relação ao processo dos outros livros da coleção?

Olga Yatskevich: Ao nos aproximarmos do projeto Como vemos, ficou claro para nós que precisávamos de colaboradores que fizessem a seleção geográfica mais ampla possível. Para esta sala de leitura da 10×10, convidamos dez mulheres selecionadoras de fotolivros – todas especialistas em livros de fotografia – de dez regiões geográficas diversas. Pedimos a elas que selecionassem dez fotolivros, com um foco de 60% ou mais em sua região geográfica específica. Encomendamos ensaios para outras mulheres e procuramos uma designer, pois queríamos trabalhar com o maior número possível de mulheres no projeto.

Como vemos é uma mistura diversificada de fotolivros menos conhecidos, tanto de fotógrafas mais jovens quanto de artistas consagradas. Definitivamente, mostra a diversidade de fotolivros femininos, a variedade de assuntos e as diversas abordagens de produção e design. Vemos a sala de leitura como um convite para explorar, através do livro, a multiplicidade de narrativas e visões das mulheres.

Livro Como vemos: Fotolivros por mulheres, editora 10×10 Photobooks, 2019. Reprodução.

Porque a decisão de realizar duas listas de fotolivros de mulheres, separando uma seleção de livros contemporâneos de uma de fotolivros históricos?

Michael Lang: Quando a 10×10 originalmente pediu às dez selecionadoras a lista dos fotolivros femininos, entre os critérios dados a essas especialistas (por exemplo, focar em sua região, escolher com tiragem expressiva, etc.) nenhum deles dizia respeito à data de publicação. No entanto, como vimos depois, os 100 títulos selecionados foram principalmente do século 21.

Como a 10×10 analisou e discutiu essa seleção contemporânea (nosso único critério para solicitar substituições de títulos era para livros duplicados entre as selecionadoras), chegamos à conclusão de que, como estávamos publicando um  livro-sobre-livros de fotógrafas/produtoras mulheres (e por ser o primeiro livro sobre esse tema), seria bom acrescentar um apêndice histórico, por assim dizer, ao nosso conceito original.

Por isso, pedimos mais dez selecionadoras para que escolhessem dez fotolivros “históricos” de mulheres – e, devido ao curto espaço de tempo com o qual estávamos lidando, não restringimos as seleções duplicadas (que, por acaso, se tornaram uma experiência interessante por si só: verificar quais livros históricos foram citados por mais de uma selecionadora).

Livro Como vemos: Fotolivros por mulheres, editora 10×10 Photobooks, 2019. Reprodução.

Muitas mulheres argumentam que o rótulo “feminino” aplicado a formas de expressão artística (literatura, pintura, cinema, etc) é um limitador que deveria ser evitado. Como foi lidar com esse tipo de crítica? E você acredita que existe um “olhar” específico feminino na produção de fotolivros?

Russet Lederman: Sua pergunta é crítica. Qualquer rótulo pode limitar ou levar a generalizações fáceis que incentivam categorizações que não levam em consideração as sutilezas individuais do trabalho de cada artista. Existe um grande perigo em isolar e rotular todos os livros como tendo algumas qualidades comuns. No entanto, quando um grupo de artistas está sub-representado ou marginalizado por tantos anos, torna-se necessário iluminar suas atividades e celebrar seu trabalho com o objetivo maior de reintegrá-los em uma discussão mais abrangente sobre fotolivros. Esse é sempre o objetivo em nossas salas de leitura, que vemos como pontos de partida para expandir o que deve ser incluído nas conversas históricas e contemporâneas sobre fotolivros. Até recentemente, na história dos fotolivros, os principais editores e premiações destacavam principalmente homens brancos de culturas ocidentais. Mulheres, pessoas não-binárias, artistas negros e produtores de fotolivros de culturas não-ocidentais eram incluídos apenas como exemplos “simbólicos”. Com o Como vemos e nossos outros projetos, nosso objetivo é fazer com que as pessoas questionem quem e o que podem estar deixando de fora, à medida que selecionam, publicam, coletam e resenham fotolivros. Não defendemos que exemplos de fotolivros “menores” devam ser destacados para manter uma comunidade mais inclusiva, mas estamos incentivando a comunidade global de fotolivros a olhar além do já “testado e aprovado” e incluir fotolivros de uma população mais diversificada de artistas.

E não, não há um “olhar feminino” específico na produção de fotolivros. Os livros do Como vemos celebram uma gama verdadeiramente diversificada de sensibilidades visuais e conceituais.

Livro Como vemos: Fotolivros por mulheres, editora 10×10 Photobooks, 2019. Reprodução.

A ausência de nomes de fotógrafas brasileiras na lista de fotolivros (mesmo na seleção latino-americana) é algo perceptível para nós brasileiros ao olharmos o livro (Cláudia Andujar e Rosângela Rennó são citadas na lista de fotolivros históricos. E a artista Fumiko Imano, apesar de ter nascido no Brasil, vive e produz seus trabalhos há muitos anos no Japão). A produção brasileira de fotolivros está tão longe assim do radar da comunidade global de fotolivros? Porque isso acontece?

Russet Lederman: A 10×10 aborda a seleção dos fotolivros de nossas salas de leitura de uma maneira muito democrática. Convidamos 10 especialistas em fotolivros de 10 regiões diferentes para cada um sugerir 10 livros para o projeto. Nossa única ressalva é que o selecionador não pode ter uma associação direta com nenhum livro de sua lista (como editor, autor, fotógrafo, escritor, etc.). Como em qualquer processo, há omissões que desejamos que pudessem ter sido incluídas. Por exemplo, uma das selecionadoras do Como vemos é uma editora que trabalhou em muitos livros importantes de mulheres que ela não pôde incluir em sua seleção devido à sua conexão direta com esses livros. Além disso, estamos bem cientes de que mesmo um processo democrático tem tendências subjetivas. Por fim, a sala de leitura é formada pelas escolhas de nossas selecionadoras. Como indivíduos com focos específicos na comunidade de fotolivros, elas podem celebrar um livro que outra pessoa pode não considerar tão importante. Sim, existem alguns exemplos maravilhosos de fotolivros contemporâneos de mulheres brasileiras que não estão incluídos, mas também existem fotolivros fortes de outras regiões que foram omitidos. Dito isto, nossa esperança é que a seleção admitidamente subjetiva do Como vemos incentive outras pessoas a expandir ainda mais o que elas acham interessante na publicação de fotolivros de artistas mulheres. Vemos nossas salas de leitura como ponto de partida, um incentivo para que outras pessoas defendam fotolivros que ainda precisam de um reconhecimento adicional. ///