Por Trás da Foto

Por trás da foto: a força da floresta amazônica revelada pelo fotógrafo paraense Luiz Braga

Luiz Braga Publicado em: 21 de janeiro de 2020

Fé em Deus, de Luiz Braga, 2006.

Desde o início dos anos 2000 vinha acompanhando o crescimento da fotografia digital. Até que, em 2004, adquiri uma câmera de 8MP (com um memory stick de 512 MB – algo imenso para a época) com uma lente Carl Zeiss de 28-200mm f2.0-2,8. E assim saí fotografando as mercearias próximas do meu estúdio, no antigo bairro do Reduto em Belém. A empolgação inicial deu lugar a um desalento: as cenas ficavam com uma aparência plastificada, as pessoas sem textura, como se fossem bonecos num cenário de ficção científica. As luzes todas corrigidas, como se nada pudesse se expressar além de um padrão flat. Pensei: xi, me ferrei! Como vou trabalhar minhas cores? Até o comportado Kodachrome eu tinha dado um jeito de “envenenar” com as cores da minha terra.

Resolvi rever o manual da câmera, devia ter algum jeito. No meio da leitura encontrei um capítulo entitulado Nightshot, sobre como fotografar no escuro total. O ícone era uma festa de aniversário com bolo e velas, o que certamente não me importava. Mas a revelação pra mim foi que, ao usar essa função, a imagem ficava deliciosamente granulada e esverdeada, como aquelas da Guerra do Golfo de 1991. Abandonei o modo “normal” e saí noite adentro fotografando. Só que ainda não estava satisfeito, pois queria fotografar a vida que corre durante o dia. E se eu usar esse negócio de dia? Imaginei algo como dilatar a pupila e sair no sol perto da linha do Equador. Pois é, foi isso que aconteceu. As imagens explodiram de tanta luz. E assim iniciou minha jornada dedicada a domar a luz e encaixá-la numa função desenhada para a captura de imagens noturnas. Filtros vermelhos, polarizadores, densidade neutra: o caminho seria longo, mas era por aí. No meio da minha pesquisa descobri que havia uma fábrica de filtros usados em câmeras segurança e vigilância que poderiam servir para meus objetivos. Só que eram feitos e vendidos na Coréia do Sul. Lá se foram três meses até a chegada.

Corta para 2006. Estava na estrada com minha mulher e filho a caminho dos Lençóis Maranhenses, levando a novidade na mala. Ao atravessar uma ponte, em Axixá (MA), avistei lá na beira do rio Munim uma cena épica do cotidiano caboclo: um grupo de pescadores empurrava um barco para dentro do rio. Parei o carro e saltei correndo. Consegui fazer dois disparos da cena. O monitor da câmera era muito pequeno (pouco maior que uma polegada) e por isso não foi possível ver detalhes. Mas o que eu enxerguei no visor me tirou do chão. Enfim conseguira encontrar um caminho que expressava a floresta de uma forma que me lembrava as gravuras de água forte que meu querido professor de história da arte mostrava nas aulas do curso de arquitetura. Ao baixar a imagem para o computador enfim pude ver os detalhes da cena: a força da união dos homens e o nome do barco (Fé em Deus), que acabou sendo o título da foto. O aspecto da vegetação, a densidade profunda do céu, a dramaticidade da cena. A celebração do trabalhador. Vibrei muito, comemorei, pois nela estava (e está) a inquietação que move a busca por técnicas que renovem minha forma de fotografar. E o tema da vida do homem simples, mas com uma grande novidade: a floresta passa a ter força e protagonismo. Justo ela, que sempre esteve me cercando. Mas que eu não trazia para minha obra por implicar com os estereótipos visuais criados nas revistas. Para mim, a Amazônia sempre teve o homem inserido. Paraíso verde é um bom nome para loja de plantas, mas aqui há a realidade, a cultura ribeirinha, a ancestralidade e tantas outras questões.

Com essa técnica a força da floresta passa a guiar a série que venho desenvolvendo desde então. E que foi publicada na revista ZUM #1, com um texto do escritor Joca Reiners Terron, além de ter sido exibida na Galeria Leme em 2012. Há outras peculiaridades sobre o modo de realização das fotografias dessa série: a câmera demora para gravar a imagem, portanto não são factíveis sequências rápidas, há de se esperar um tempo entre um disparo e outro. A velocidade mais rápida é 1/30s.  O arquivo é pequeno para os padrões de hoje, sendo assim não é possível imprimir em grandes formatos. Isso define o que escolher para fotografar.

Recentemente, depois de muito refletir sobre o conjunto, que teve apenas uma pequena parte exibida, concluí que acabei por criar uma dimensão para além do real, algo que chamei de Mapa do Éden. Em tempos tão estranhos, acabei por abrir, com essa técnica, uma passagem para a terra sem males mencionada pelos meus ancestrais indígenas. ///

 

Luiz Braga (1956) autodidata, vive e trabalha em Belém (PA). Sua obra trama a Amazônia como um extenso campo de luz e abundante solaridade. Inquieto, burla as expectativas e transgride a representação do seu lugar.

 

Tags: ,