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Confira os sete destaques da convocatória de fotolivros do Festival ZUM 2018

Publicado em: 22 de outubro de 2018

Parte das atividades do Festival ZUM 2018, a convocatória aberta de livros de fotografia deste ano recebeu cerca de 160 obras de várias partes do mundo e publicadas em 2018. Foram selecionados 46 livros, zines, revistas e catálogos que foram exibidos na Biblioteca de Fotografia do IMS Paulista durante o festival, com a presença de editores e fotógrafos responsáveis por esses livros para uma conversa sobre seus trabalhos. Dessa seleção mais ampla, sete livros foram destacados pela equipe da ZUM e da biblioteca do IMS. Confira abaixo os destaques da convocatória 2018.

 

Noites desperdiçadas, de Vitor Casemiro
Editora Madalena, São Paulo, SP

A primeira página dá o tom do livro de estreia do fotógrafo paulista Vitor Casemiro: esta será uma viagem por um território hostil. Entre uma noite e outra, pontuada por grades e banheiros de bares, a arquitetura agressiva se repete e enjaula bichos, coisas e gente. Não há textos, legendas ou outros artifícios para guiar o leitor. O design do livro traz poucos elementos. As cores e a escuridão lembram filmes de terror feitos com poucos recursos.

Em alguns momentos, as pessoas que perambulam pela noite aparecem de costas, com o rosto escondido. Em outros, no entanto, os personagens encaram a câmera no intuito de intimidar o fotógrafo e o leitor, como se fizessem questão de mostrar que dominam aquele espaço, recusado por aqueles que estão do lado de dentro dos arames farpados e telas de proteção.

 

Gilda, de Alessandra Sposetti
Autopublicado, Rio de Janeiro, RJ

Antigos e engordurados cadernos de receita são o ponto de partida de Gilda, fotolivro da chef de cozinha e fotógrafa Alessandra Sposetti. O livro, que poderia simplesmente ser um exercício nostálgico em tempos de gourmetização de quase tudo (da tapioca ao pastel), se destaca pelo humor ácido e o tom de crítica social do que acontece na preparação de luxuosas ceias.

Dona dos cadernos que inspirou o livro, Gilda era a esposa de um embaixador e, por conta do cargo do marido, se dedicava a organizar e participar de elegantes jantares. Em seus antigos caderninhos de receitas e boa etiqueta, ela toma notas e coleciona recortes de jornais e revistas. Pelo olhar de Alessandra, acompanhamos uma jornada típica da banqueteira: visitar os mercados, cozinhar com as domésticas, pôr a mesa e se preparar para um grande evento.

 

Devido a circunstâncias súbitas e imprevistas, este livro não tem título, de Julie Glassberg
Ceiba Editions, Itália

“Libertar o pensamento, ousar sem temer, arriscar, ser real, estar aqui, estar agora …”. Na dedicatória que abre o livro já antevemos o exercício de risco e liberdade que é o trabalho da francesa Julie Glassberg. A começar pelo (não) título da obra. E seguindo na capa feita de borracha preta, com cheiro forte e toque não muito agradável. Julie acompanha bem de perto o cotidiano de uma gang de gladiadores sobre bicicletas da cidade de Mineápolis (EUA). Criadores de suas próprias engenhocas sobre duas rodas, fazem parte de uma subcultura urbana contraditória, que se utiliza da inofensiva bicicleta como instrumento de batalhas de inspiração medieval. O estilo snapshot, a intimidade com os retratados, textos rabiscados, desenhos e a reprodução das folhas de contato dão ao livro um tom de liberdade criativa e risco em total sintonia com seu tema.

 

Esquina rosa, de Miguel Ángel Rojas
Jardín Publicaciones, Colômbia

Nos anos 1970, o ateliê do artista colombiano Miguel Ángel Rojas tinha como vista uma esquina muito particular de Bogotá.  Ali, a cena underground aflorava e situações cotidianas (ilegais ou não, violentas ou não) compunham imagens captadas em segredo pelo fotógrafo. Tais fotografias ficaram guardadas por cerca de trinta anos, vindo à luz recentemente em uma exposição na Armory Show, importante feira das artes que acontece em Nova York.

Agora reunidas em formato de livro, as fotos mostram aquilo que o artista flagrou de sua janela durante uma convivência intensa em um espaço compartilhado por travestis, prostitutas, policiais, estudantes e artistas. Miguel nos entrega fragmentos de momentos que já aconteceram ou que ainda estão para acontecer (nunca o momento de fato). Negociações silenciosas, policiais correndo, travestis aguardando serviço: o espaço de uma esquina concentrando os acontecimentos da cidade de Bogotá naquela época.

 

Tornaras, de Rodrigo Pinheiro
Editora Chorona, Rio de Janeiro, RJ

Tornaras transforma em narrativa o espaço íntimo de uma relação e de um lar a partir do ponto de vista do término. O livro retrata o fim de um relacionamento que o próprio fotógrafo Rodrigo Pinheiro vivenciou, mas recriado pela encenação do performer Matheus Motta. Alternando entre experimentações com naturezas-mortas, objetos cotidianos do lar e o próprio corpo do modelo, Rodrigo nos conduz por um percurso, no qual o afeto, a sexualidade e a solidão são pontos centrais. Inteiramente feito à mão, o fotolivro utiliza dois fragmentos de texto que funcionam como chave de entrada ao que foi uma relação significativa na vida do autor.

 

O desejo de restauração, de Mayumi Suzuki
Ceiba Editions, Itália

Mayumi já residia em Tokyo quando sua cidade natal, Onagawa, foi atingida pelo terremoto e consequente tsunâmi que devastou a costa leste japonesa em 2011. O estúdio de fotografia da família, assim como boa parte da cidade, foi destruído. Seus pais desapareceram. Quando Mayumi chegou, encontrou apenas escombros e vestígios do que antes eram a loja e o laboratório.

A sequência de abertura do livro apresenta uma cidade tranquila até o momento em que lemos o último diálogo da autora com seu pai e sua mãe, por telefone, depois do terremoto e instantes antes do tsunâmi. Nesse momento, restos de fotografias e a ausência de nitidez em imagens capturadas com uma câmera quebrada encontrada nos destroços nos mostram a tentativa de Mayumi em recontar a história da família. Entre uma lembrança colorida e outra, nos deparamos com paisagens escuras que se abrem em páginas dobradas e parecem não ter um final.

 

Edifício Recife/ Recife Edifice, de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca
Ikrek Edições/ Koenig Books, São Paulo, SP

No início dos anos 1960, a cidade de Recife aprovou a Lei nº 14.239, que obriga todos os edifícios com área superior a mil metros quadrados construídos a ter uma obra de arte tridimensional em sua entrada. Com formato vertical pequeno, semelhante a um bloco de notas, este livro apresenta 66 fotos centralizadas dessas esculturas, seguidas por um pequeno depoimento bilíngue assinado apenas com o nome próprio.

Os depoimentos são dos porteiros que garantem a manutenção das peças e que as observam diariamente, a partir de suas cabines de segurança. De maneira simples e direta, deliberam sobre o que as esculturas representam e discutem questões estéticas, como as noções de feio e belo, o que é arte e o que não é, e a que classes sociais ela serve.

Ao observar a obra com ou por meio dessas pessoas, a quem os artistas legitimam a posição de críticos, o leitor tem uma experiência curiosa de intimidade com objetos que, ao longo do tempo, passaram a ser meros arranjos pragmáticos e de gosto duvidoso das construtoras para o cumprimento de uma lei.///

 

 

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