Entrevistas

Entrevista: a pesquisadora Alise Tifentale relaciona o fotoclubismo dos anos 50 e a competição por likes das mídias sociais

Alise Tifentale Publicado em: 17 de julho de 2017

Exemplo histórico de fotografia competitiva. Montagem de fotografias relacionadas à paisagem e natureza do Anuário FIAP (1954-1966). Miniaturas organizadas em ordem cronológica a partir da esquerda no alto. Por Alise Tifentale.

Enquanto estudava a produção fotográfica de clubes de fotografia e associações de fotógrafos dos anos 1950 e 1960, entre eles o Fotoclube Bandeirantes, de São Paulo, a curadora e historiadora letã Alise Tifentale começou a desenvolver o conceito de “fotografia competitiva”. Tifentale também se aprofundou em questões estéticas da fotografia praticada hoje em redes sociais como o Instagram, traçando paralelos entre a prática fotoclubista da metade do século passado e a competição por likes dos tempos atuais.

Tifentale conversou com a ZUM sobre o conceito de fotografia competitiva, a economia de likes das mídias sociais e os anuários fotográficos dos anos 1950 e 1960, entre outros temas.

 

Em um dos seus artigos, você escreve que “é hora de trazer o fotográfico de volta à discussão da fotografia em mídias sociais”. O que você quer reforçar com essa afirmação?

A maior parte da literatura sobre fotografia em mídias sociais destaca os aspectos do “social” e da “mídia”, mas negligencia a fotografia. Muitos artigos e livros analisam as maneiras como as pessoas compartilham imagens na perspectiva das ciências sociais ou dos estudos de mídia. Enquanto isso, não há debate suficiente sobre este tema da perspectiva da história da fotografia ou da arte. Simplificando, estudiosos focam em como ou por que publicamos imagens nas redes sociais, e, ao fazer isso, eles inevitavelmente enfatizam a novidade das mídias sociais e as experiências a ela relacionadas.

O que eu defendo, ao contrário, é que devemos prestar mais atenção nas imagens que as pessoas compartilham. Estou especialmente interessada na fotografia como prática criativa. Com isso, me refiro às fotografias que são publicadas por seus aspectos estéticos, que não são registros da vida pessoal ou de celebridades. E o Instagram é a plataforma mais adequada para esse tipo de compartilhamento de imagens com proposições estéticas.

Ao olhar para fotografias sob esta perspectiva, vemos que, além da novidade da rede social, existem também velhos conceitos de autoexpressão por meio da fotografia criativa. São “velhos” porque essas ideias circulam desde a invenção da fotografia. As ferramentas para fazer fotos mudam, assim como as plataformas para compartilhá-las, mas a crença das pessoas no potencial criativo da fotografia se mantém, e é isso que mais me interessa. Eu vejo paralelos significativos entre o atual Instagram e as exposições internacionais de fotografia organizadas por clubes de fotos dos anos 1950 e início dos 1960. São dois momentos-chave na história da fotografia – ambos significam o surgimento de uma verdadeira cultura visual global.

 

Nunca na história da humanidade tivemos uma produção tão massiva de imagens e fotografias. Mas também se diz que há uma falta de alfabetização visual. Qual sua opinião sobre isso?

Acho que com a proliferação da comunicação baseada em imagens, haverá também um aumento da alfabetização visual. Especialmente nas gerações mais novas, de pessoas que se comunicam via Snapchat ou plataformas baseadas em imagens. Acho a habilidade deles de escrever e ler por meio de imagens notável. Também acho notável o fato de essas habilidades serem, na maior parte das vezes, aprendidas com seus pares ou fontes disponíveis na internet.

 

O que é fotografia competitiva? Como foi desenvolvido o conceito?

 Eu defino a fotografia competitiva como um trabalho fotográfico feito por motivação estritamente pessoal e autoeditado, que tem uma função primordialmente estética (em oposição a outras funções, como de registro ou narrativa). É a fotografia feita para exibição pública em ambientes onde compete por atenção e reconhecimento, principalmente de outros fotógrafos. Nos anos 1950 e 1960, por exemplo, tais fotógrafos encontraram um veículo para sua criatividade nas exposições internacionais de fotografia, revistas especializadas e anuários fotográficos. Hoje, os fotógrafos competitivos apostam em plataformas digitais de compartilhamento de imagens.

Desenvolvi o conceito de fotografia competitiva enquanto estudava as fotografias publicadas nos anuários da Federação Internacional de Arte Fotográfica entre 1950 e 1965. Esta organização, mais conhecida como FIAP (abreviação em francês para Fédération Internationale de l’Art Photographique), foi fundada em 1950 e reunia associações nacionais de fotógrafos de 55 países. Seus anuários eram organizados alfabeticamente pelo país de origem do fotógrafo. E a própria FIAP, por um tempo, chamou o catálogo de “Olimpíada da Fotografia”. Este paralelo com o esporte me levou a pensar no aspecto competitivo do mundo da fotografia criativa.

Exemplo de fotografia competitiva no Instagram. Reprodução da conta “Cliques em preto e branco” no Instagram. A conta tem 24.500 seguidores (junho de 2017). Miniaturas organizadas em ordem cronológica a partir da esquerda no alto.

Do ponto de vista estético, qual seria a principal característica da fotografia competitiva?

Meu conceito de fotografia competitiva não implica um estilo visual ou um tema em particular. O propósito desse conceito é apontar uma função social específica da imagem fotográfica. A fotografia competitiva é, e sempre foi, uma prática de alto valor estético, mas que inclui uma grande variedade de estilos e aspectos formais. O que une todas essas imagens é o fato de que são explicitamente feitas para exposição pública ou avaliação de suas qualidades técnicas e estéticas. São feitas para competir por reconhecimento e/ou prêmios. Os modos de exibição pública podem incluir concursos, catálogos, revistas especializadas, fotolivros e, hoje em dia, também revistas online, blogs e redes sociais como o Instagram, onde as fotografias competem por likes.

O termo fotografia competitiva destaca uma função social da fotografia que acontece na interação com outras pessoas, seja um grupo de fotógrafos de gosto parecido ou de apreciadores. As imagens que circulam por esses grupos são discutidas e avaliadas principalmente por sua maestria técnica, estética e criativa. Assim existe, por exemplo,  um conjunto de princípios estéticos que são válidos em, digamos, competições populares de fotografia, como a Sony World Photography Awards, em competições de fotojornalismo como a Word Press Photo e na lista de “100 melhores contas do Instagram” feita pela revista Rolling Stones.

 

Toda competição pressupõe um vencedor e um conjunto de regras. É o caso da fotografia competitiva? Se sim, quais seriam as principais regras a serem seguidas?

Entre os fotógrafos competitivos do Instagram, circulam diferentes conjuntos de regras. Elas são discutidas em blogs e tutoriais de vídeo no YouTube. De uma maneira bastante generalizada, a regra mais importante é ter o seu “estilo próprio”. Nesse contexto, estilo significa que todas as imagens postadas em uma conta no Instagram sejam visualmente coerentes em seus aspectos formais (o que se consegue, por exemplo, aplicando um único filtro de maneira consistente, mantendo-se em uma paleta de cores, usando um certo tipo de composição – como close-ups – e por aí vai) e também em relação a um tema. No momento em que falo isso, o Google oferece mais de 8 milhões de páginas como resposta à minha pergunta “Como editar fotos no Instagram?”. E muitos dos resultados enfatizam a “regra do estilo”. De outra forma, diferentes regras funcionam para fotos de comida (“Guia definitivo para editar fotos de comida no Instagram em seu celular”), enquanto outras se aplicam a fotos de moda ou selfies (“Edite suas fotos do Instagram como uma blogueira de moda com a ajuda de Marianna Hewitt”). Também existem regras para contas dedicadas à fotografia minimalista, em preto e branco e assim por diante.///

 

 

Alise Tifentale é editora, escritora, curadora e historiadora da arte e da fotografia. Nascida na Letônia, é autora do livro The Photograph as Art in Latvia, 1960-1969 (2011) e de vários artigos sobre a fotografia do pós-guerra, arte da União Soviética e de fotografia contemporânea, especialmente em redes sociais. Atualmente, é doutoranda em história da arte e trabalha na tese A “Olimpíada da Fotografia”: A Federação Internacional de Arte Fotográfica, 1950-1965.

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