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Melhores livros de fotografia brasileiros de 2017

Publicado em: 18 de dezembro de 2017

ZUM convidou artistas, curadores, pesquisadores, jornalistas, críticos e professores e envolveu a própria equipe numa seleção dos melhores livros de fotografia brasileiros publicados em 2017 – fotolivros, catálogos de exposição, livros monográficos e de teoria e história da fotografia. Veja abaixo a escolha de cada um.

 


Daigo Oliva (editor-adjunto do Núcleo de Imagem da Folha e responsável pelo blog Entretempos)

Missão Francesa, de André Penteado (Editora Madalena, 2017)

“É necessário celebrar fotolivros brasileiros que estão fora da curva nacional. Missão Francesa, de André Penteado, destaca-se por alinhar um trabalho fotográfico de relevância, inserido dentro de um projeto ambicioso, com design e impressão de qualidade –tudo com o mesmo peso, com a mesma importância. Enquanto muitos fotógrafos se dedicaram a explorar recortes da história nacional, André arrisca um grande ensaio que contempla os principais elementos que formam a mentalidade brasileira.”

 


Lívia Aquino (coordenadora da pós-graduação em fotografia da FAAP, em São Paulo)

 

X-Range, de Regina Vater (Ikrek, 2017)

“Reeditar uma obra, um livro, uma tradução é fundamental para os processos de pesquisa e para a construção do que entendemos como história, procedimento pouco valorizado pelo mercado editorial no Brasil. Esse argumento já valeria minha escolha, mas podemos pensar mais sobre essa publicação tão cuidadosa.

Regina Vater é uma artista cuja produção se dá pela experimentação de diversos procedimentos e materiais. No que diz respeito à fotografia, presente nessa publicação, a artista esgarça alguns protocolos relacionados ao que se consagrou como tradição, provocando outros modos de utilizá-la ao longo de sua produção. Gosto imensamente da definição que faz de si mesma quando assinala, pela linguagem, um lugar de chegada e um de partida: “Não sou vídeo artista, não sou artista de performance, não sou fotógrafa, não sou desenhista, não sou artista de instalação, não sou pintora, não sou poeta visual, sou artista ponto parágrafo”.

Ela também se faz articuladora de outros artistas produzindo exposições e encontros em Nova Iorque, lugar de efervescência nos anos 1970. Em X-Range tal convivência se dá por uma ação simples de procurar projetar o outro a partir de seu próprio ambiente. Esse outro, entretanto, é parte dessa relação maior entremeada por Regina, se falamos de John Cage, Lygia Clark, Hélio Oiticica e Vito Acconci. Dessa forma, a reedição da publicação é também um reconhecimento de tudo isso como parte de uma boa história.”


Rosely Nakagawa (curadora e editora de artes visuais)

05007-002 05005-060, de Marlos Bakker (Editora Madalena, 2017)

05007-002 05005-060 é a publicação de Marlos Bakker que recebeu o prêmio do edital da galeria Gávea. A série mostra uma relação ficcional entre espaços vizinhos próximos geograficamente, porém, socialmente distantes. As fotografias se contrapõem ou se complementam, mostrando possíveis conflitos entre um condomínio de luxo fechado e uma vila de bairro, que se encontram separados por um muro, de onde o fotógrafo os observa. As aparentes semelhanças e conflitos das cenas são reforçadas por palavras pesquisadas pelo autor que conferem às duplas de imagem uma leitura  também ambígua. O projeto gráfico e a edição conseguem reforçar esta leitura, num tratamento sutil da escala de tons que substitui o branco pelo cinza. E em imagens intensas e opostas, impressas sobre um papel sensível ao tato que, de alguma maneira, aumentam a tensão da leitura em cada dobra de página, impressa em papel dobrado.”

 


Ângelo Manjabosco (assistente / coleção de fotografia contemporânea do IMS)

The City Project, do coletivo 643 (Autopublicado, 2017)

“Produzido entre 2015 e 2016, mas lançado no Brasil somente em 2017, The City Project é um conjunto de 26 zines (cada um deles com uma capa e uma palavra, indo de A até Z) que trata das relações entre as megalópoles e seus moradores. É uma obra sobre as cidades, como diz o título, mas principalmente sobre as ações humanas na paisagem e a nossa incapacidade de reconhecer que, por vezes, não damos conta dessa experiência, mas sobrevivemos colados a ela como um cartaz numa parede ou como balões de gás presos no teto.

Hoje, 12% da população do planeta está concentrada em pouco mais de 20 cidades, entre elas Hong Kong, São Paulo, Shangai, Paris e Nova York, todas representadas em The City Project. Nesse habitat, os fotógrafos do coletivo 643 (entre eles o brasileiro Dan de Carvalho) parecem se interessar especialmente pelas pegadas e vestígios de civilização, pela criação de monumentos improváveis e pelas tentativas de encontrar significados em meio à vida útil de prédios, coisas e pessoas.

Se há algo que une conjuntos tão díspares quanto Youth, Utopia e Isolation (alguns dos zines), para além do formato e da edição, é que a cada página virada quase sempre há uma camada de estranhamento, algo que afasta o olhar e que diz respeito ao modo como as cidades são construídas, destruídas e apropriadas, tudo ao mesmo tempo.”

 


Miguel Del Castillo (curador da Biblioteca de Livros de Fotografia do IMS Paulista)

Missão Francesa, de André Penteado (Editora Madalena, 2017)

Missão Francesa consolida André Penteado como um dos grandes nomes da fotografia brasileira, com um refinado pensamento para a realização de fotolivros. Cabanagem, trabalho anterior da série “Rastros, Traços e Vestígios”, já era singular e ambicioso na medida certa, ao se propor a investigar um trecho pouco conhecido da história do Brasil – e prévio à invenção da fotografia. Ao lançar seu olhar fotográfico para a Missão Francesa – que, embora mais conhecida, também ocorreu no período pré-fotográfico – , Penteado vai atrás dos possíveis legados e marcas deixados por ela, seja nos edifícios, em descendentes de Taunay ou nos atuais alunos da Escola de Belas Artes. E, ao fazer isso, revela tanto o que persiste quanto as mutações de um projeto colonizador que acabou por ser colonizado, mas que, ainda assim, segue nos encarando, como o retrato a óleo esburacado pelo tempo que vemos em uma das imagens. Chama a atenção, também, a disposição de buscar além do eu (mote da maior parte dos fotolivros hoje) um tema, que se mostra extremamente acertado.”

 


Denise Gadelha (professora e curadora de artes visuais)

,,T.S. , de Mabe Bethônico (Ikrek, 2017)

“Em tempos de proliferação das informações nas mídias sociais, Mabe Bethônico relembra quão tortuosos podem ser os caminhos para a construção da história oficial. O livro ,,T.S. ilustra uma história de anonimato em contraste com uma das narrativas mais marcantes acerca da integração de uma obra estrangeira ao contexto da arte brasileira. Trata-se do paralelo entre a trajetória do pintor T.S. , apaixonado por nossa terra, em contraponto ao célebre caso da Unidade Tripartida, obra de Max Bill que recebeu o prêmio aquisição da I Bienal de São Paulo sob a relutância do artista em deixá-la no Brasil. Tomando como ponto de tangência o fato de ambos serem suíços, Mabe Bethônico conecta estas biografias de rumos opostos para ilustrar situações fortuitas que bifurcam as possibilidades entre o esquecimento e a lembrança.

O livro documenta a carreira de T.S. ao reproduzir imagens de catálogos, reportagens e fotografias, porém, sempre que o artista é mencionado, Mabe silencia seu nome aplicando uma tarja – não a preta da censura, mas sim, branca, como a falta de informação. Mais do que atender à necessidade de resgatar a existência de um artista negligenciado pelo sistema das artes, este livro versa sobre o acúmulo de incidentes, desvios, limitações, falhas ou escolhas, que podem confluir para o desaparecimento de sua imagem pública.

P.S.: Não é por acaso que a epígrafe do livro é uma citação extraída da página que deveria apresentar a obra de T.S. no catálogo da exposição Europäische Avantgarde [Vanguarda Europeia] do Grupo Zero realizada na Alemanha: “Uma vez que reproduções de monocromos em preto e branco são insatisfatórias por natureza, decidiu-se por renunciar à reprodução de imagem”. Outros artistas, tais como Yves Klein, Piero Manzoni e Lucio Fontana, também se recusaram a reproduzir suas obras neste catálogo, porém, ao invés de deixarem a página em branco com esta citação apenas, utilizaram-na para difundir seu retrato.”

 


Lívia Lima (editora assistente da revista ZUM)

A sétima arte: um culto moderno, de Ismail Xavier (Edições Sesc, 2017)

“A segunda edição revista da dissertação do professor e crítico Ismail Xavier investiga como o cinema passa de entretenimento popular à sétima arte, influenciando as manifestações artísticas anteriores à reprodutibilidade técnica. O livro é dividido em duas partes. A primeira situa o debate na vanguarda europeia, com seus conceitos de cinema puro e de fotogenia. A segunda observa os ecos dessas vanguardas no modernismo brasileiro, seja na crítica de cinema produzida na revista Klaxon, seja na cinefilia do cineclube carioca Chaplin-Club. Apesar de não ser um estudo que trate especificamente de fotografia, considero uma leitura incontornável para quem deseja, a partir do Brasil, pensar a imagem fotográfica e seu estatuto como arte na modernidade. “Se fotografia e cinema são fatores de transformação na arte dos séculos 19 e 20, participando do processo de redefinição de pintura e literatura, não foi por obra exclusiva de reprodução fotográfica que se criou o impressionismo, do mesmo modo que seria forçado atribuir ao cinema a responsabilidade pelo surgimento do cubismo e das pesquisas de simultaneidade”, escreve Xavier.”

 


Paulo Miyada (curador do Instituto Tomie Ohtake)

 

Procurando Iracema, de Jorge Bodanzky (Editora Madalena, 2017)

“Cinema, documentário, fotografia, arte – um dos maiores bônus que decorrem do fato de que cada linguagem fomenta seus circuitos e agentes é que se multiplicam as oportunidades para que produções que merecem ser vistas alcancem a luz. É o caso de Procurando Iracema, realizado a partir da digitalização de fotogramas de super-8 que Bodanzky rodou em Manaus e no entorno da transamazônica na preparação de Iracema, uma transa amazônica, de 1974. Se o longa-metragem já é reconhecido como fundamental tanto como imbricação complexa entre ficção e documentário quanto como embate pulsante com as misérias fomentadas pelo desenvolvimentismo nacional, o livro atual enfatiza a densa materialidade que o singulariza. A materialidade da película com seu grão acentuado encontra-se com a carne dos corpos, do rio, da poeira e das casas na espessura do papel. Apesar do imaginário amazônico que ainda propagamos (tropical e solar), muitos fatores fazem com que quase todos os tons de verde apareçam esmaecidos enquanto se folheia o livro. A saturação é pouca, a luz enfrenta resistência e as distâncias aparecem achatadas. Não é só a película que envelhece, os ideais para o Brasil também. Por outro lado, há obras que não devemos deixar paradas no passado.”

 


Carlos Franco (editor do site da ZUM)

Tropeço, de Mário Lalau (Fotô Editorial, 2017)

“Uma brincadeira com a tradição da fotografia de rua dá título a este livro do paulistano Mário Lalau: Tropeço. O olhar do fotógrafo passeia pelas ruas de diferentes cidades do mundo e repara mais nos objetos urbanos (placas, sinais, bancas, calçadas) do que nas pessoas que habitam estes espaços, buscando assim um dar recorte mais particular ao trabalho. O livro, construído em páginas duplas soltas, sem grampo ou cola para juntá-las, aproxima e afasta tais imagens num ritmo bem elaborado, abrindo a possibilidade para que o observador siga seus próprios caminhos na cidade imaginada pelo fotógrafo. O (pouco) texto presente no livro surge mais como verbete, invocando palavras soltas, o que só reforça o aparente desejo do fotógrafo em dar às imagens total protagonismo na narrativa. Um bom exercício para o olhar.”

 

 

 

 

 

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