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5 livros de fotografia para o mês das eleições

Miguel Del Castillo Publicado em: 4 de outubro de 2018

Em meio a uma das mais acirradas, polarizadas e surreais eleições no Brasil, indico cinco livros do acervo da Biblioteca de Fotografia do IMS Paulista que podem dialogar com (e quiçá iluminar) essa barafunda que estamos vivendo.

Orlando Brito, Poder, glória e solidão (Terra Virgem, 2002)

Orlando Brito talvez seja a principal testemunha fotográfica da política brasileira, especificamente em Brasília: ainda em atividade, começou a fotografar em plena ditadura militar. A primeira imagem do livro foi feita quando ele tinha apenas 16 anos, em 1966, e mostra militares hasteando a bandeira nacional no mastro do Palácio do Planalto. A partir daí, desenrola-se uma sequência de acontecimentos históricos e detalhes curiosos envolvendo personagens fundamentais do jogo político, todos registrados pelas lentes incansáveis de Brito: a posse do presidente-ditador Costa e Silva; parlamentares deixando a Câmara ao ouvirem pelo rádio a leitura do AI-5; Médici recebendo parabéns por seu aniversário; as manifestações contra o regime e a repressão a elas; Geisel de sunga, numa praia de Natal, no começo tímido da abertura política; Figueiredo esperando atrás de uma porta, antes de ser nomeado presidente; o retorno de importantes figuras após a anistia; o choro de Ulysses Guimarães ao saber da doença de Tancredo; Sarney cabisbaixo no jardim do Alvorada antes de deixar a presidência; Collor sozinho em seu gabinete, já sob a ameaça do impeachment; Itamar e FHC discutindo o Plano Real; Lula secando o suor do rosto na vitoriosa campanha de 2002.

As legendas de Brito adicionam sabor e contexto às fotos. Retrato íntimo do poder no Brasil ao longo de mais de três décadas, o livro encerra com algo de esperança: a democracia voltava à vida, e parecia mais viva do que nunca. Dado o momento em que o país se encontra neste 2018, esta aula visual de história vem bem a calhar.

Richard Avedon, Portraits of Power (Steidl/Corcoran Gallery of Art, 2008)

Um dos maiores retratistas de todos os tempos e que, junto a Irving Penn, revolucionou também a fotografia de moda, o norte-americano Richard Avedon teve vários projetos pessoais de cunho político, muitos resultando em livros. The Sixties, que também faz parte do acervo da Biblioteca do IMS Paulista, é uma espécie de “retrato coletivo” dos anos 1960 nos Estados Unidos (e, de certo modo, no mundo): astros do rock e do folk, hippies, membros do Partido dos Panteras Negras, participantes do Movimento dos Direitos Civis, artistas pop, soldados, pacifistas e vítimas da Guerra do Vietnã se encontram nas páginas do livro.

Parte deles ressurge em Portraits of Power, o volumoso catálogo de uma exposição homônima. Agora estão na companhia de outros personagens associados a diferentes tipos de poder, como o pediatra Benjamin Spock, que em 1946 publicou um dos maiores best-sellers sobre criação de filhos, cujas ideias influenciaram inúmeros pais nas décadas seguintes, ou o pregador Billy Graham, que além de chegar a milhares de pessoas com suas cruzadas evangelísticas, foi conselheiro espiritual de muitos presidentes. Mas há também, claro, políticos e membros de governos.

Destaco o retrato de Henry Kissinger (p. 112), que disse ao fotógrafo, antes da tomada: “Seja gentil comigo”. Kissinger foi secretário de Estado de Richard Nixon e é uma figura controversa: alguns o acusam de crimes de guerra, há evidências de seu envolvimento no apoio de seu país à ditadura chilena e ao Plano Condor, mas também é reconhecido como importante diplomata, tendo orquestrado a abertura das relações entre EUA e China e os Tratados de Paz de Paris, que determinaram a retirada das tropas americanas do Vietnã. O retrato de Avedon não poderia ser mais preciso para revelar essa ambiguidade, característica presente em muitos políticos – e, por motivos mais ou menos graves, em todos nós –, mesmo naqueles que se dizem ou são vistos como santos.

Julián Barón, C.E.N.S.U.R.A. (RM, 2011)

Há ao menos duas leituras possíveis para o fotolivro de Julián Barón, que foi por muitos anos professor da mítica escola de fotografia Blank Paper, na Espanha, e um dos representantes dessa geração de fotógrafos espanhóis que sacudiu o meio da fotografia através, sobretudo, da produção de fotolivros.

A primeira é enunciada por ele mesmo. Com um flash fortíssimo, que transfigura os rostos de pessoas e esculturas em borrões brancos, Barón retratou o meio político durante as eleições para o congresso espanhol em 2011. Trata-se de uma crítica à maneira como “fotografia e censura se aliam para manipular o povo através do falso uso da imagem como documento, […] disfarçando de maneira sutil, porém constante, os aspectos que não correspondem às pretensões dos partidos”. Ele superexpõe os participantes do “circo que é a política”, “censurando a censura” com a fotografia para, assim, oferecer algo positivo: revelar como “o estado que eles tanto defendem desaparece com suas ações e com suas imagens”.

A segunda leitura, na verdade uma derivação que talvez se aplique melhor e mais incisivamente ao atual contexto do Brasil, é ver essas imagens como um lembrete de que a política poderia ser feita por e para cidadãos comuns – pessoas, por assim dizer, “sem rosto” –, coletivamente e em constante diálogo, e não de cima para baixo, por pessoas cujos rostos emblemáticos são fixados no imaginário coletivo através de correntes de WhatsApp ou por habilidosos profissionais de marketing.

Rosângela Rennó, Río-Montevideo (CdF, 2015)

A artista Rosângela Rennó foi convidada pelo Centro de Fotografía (CdF) de Montevidéu a realizar um projeto artístico com base no acervo do fotógrafo Aurelio González, que trabalhava para o jornal El Popular, do Partido Comunista uruguaio. São fotos feitas de 1957 até 1973, quando, pressentindo a proximidade de um golpe militar, González escondeu todos os 50 mil negativos num local de difícil acesso. Ele os encontraria de novo muito depois, mais de trinta anos após ocultá-los.

As imagens são um registro dos anos de crise política e decadência econômica do Uruguai, que, como em muitos outros países latinos, precederam a instalação de uma ditadura militar. A seleção precisa de Rennó contém apenas 32 fotos, que misturam esperança e desolação – muito mais desolação que esperança, diga-se. Manifestações festivas, jogos de futebol, lutas de boxe, enterros, veículos parados no meio das vias, crianças de rua e os militares, que, conforme a sequência visual avança, vão ganhando protagonismo nas imagens.

Na exposição, a artista projetava as imagens usando antigos projetores de slides, de diversos modelos. Mas o livro, muito bem construído, tem tanto peso quanto a mostra. É uma celebração, como diz ela no texto de abertura, da possibilidade de “lembrar coletivamente daquilo que esteve a ponto de ser esquecido” (algo, aliás, urgente de ser feito no Brasil, quando ganham força grupos que buscam apagar ou desacreditar a memória violenta da ditadura). Um testemunho impresso do valor de resistência das imagens, e de como às vezes essas imagens sobrevivem à política por um fio.

Mark Peterson, Political Theatre (Steidl, 2016)

O fotógrafo Mark Peterson documentou, desde as prévias democratas e republicanas, a campanha das eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos. Fotografou diversos “atores” envolvidos no processo: candidatos, seguranças, manifestantes e apoiadores, com seus gestos, caras e bocas, momentos de clara falsidade e outros de reveladora autenticidade. As imagens em preto e branco não perdoam ninguém, seja do partido que for. Assim, Peterson mostra como a política é, sobretudo, um grande teatro.

O fotolivro conta com um ótimo texto do jornalista John Heilemann, que escrevera um livro sobre a corrida presidencial de 2008 (Game Change), quando Barack Obama foi eleito pela primeira vez. Heilemann diz que não pensava que viveria outra campanha como aquela, e que nada o preparou para 2016, quando um fator “surrealmente chocante” se apresentou: Donald J. Trump. O republicano surpreendeu a muitos e acabou por vencer Hillary Clinton. Outra surpresa foi a ascensão de Bernie Sanders pelo lado democrata: com um discurso bem mais à esquerda e com menos recursos que Hillary, o senador por Vermont quase conseguiu se sobrepor à adversária nas prévias.

Foi uma campanha marcada por grande polarização política e pelo fortalecimento e legitimação de discursos de ódio, características infelizmente muito similares a este ano eleitoral brasileiro.//

 

Miguel Del Castillo é escritor, tradutor e editor, autor do livro de contos Restinga (Companhia das Letras, 2015). Foi editor da Cosac Naify e atualmente é curador da Biblioteca de Fotografia do Instituto Moreira Salles em São Paulo.

 

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