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Fotolivro explora o que restou de uma promessa grandiosa de futuro para o Brasil

Publicado em: 14 de May de 2019

Fotografia do livro Faltam mil anos de história, de Gabriel Carpes, editora Tempo d’Imagem, 2019

Desolação. Frustração. Abandono. Segundo o fotógrafo gaúcho Gabriel Carpes, essas são as sensações que guiaram o projeto Faltam mil anos de história. O resultado foi um livro de fotografias do mesmo nome, vencedor do prêmio Foto em Pauta de 2018 e lançado em março desse ano. “Por um bom tempo eu não sabia que eram esses os sentimentos que eu estava registrando (e sentindo). O trabalho também foi uma investigação e uma certa ‘terapia’ para mim. Foi fazendo ele que eu descobri que esses eram os sentimentos que eu mais detectava ao meu redor”, comenta Carpes.

Realizado entre 2016 e 2018, o trabalho explora o resultado de uma das maiores crises políticas da história do Brasil. Para Carpes, “as fotografias nesse projeto demonstram as sensações de abandono e mágoa que estão presentes no país, a marca da crise no nosso ambiente.”

ZUM conversou com Gabriel Carpes sobre o livro, a sensação generalizada de abandono e outras maneiras da fotografia dar conta de um discurso político nos dias de hoje.

 

Como surgiu a ideia do ensaio fotográfico? Já foi pensado como livro também ou isso aconteceu durante o processo de amadurecimento do projeto?

Gabriel Carpes: O projeto surgiu por uma vontade que eu tive de falar sobre a crise política. E eu já  o iniciei pensando sim em um livro. Em 2016, era difícil pensar em algo que não fosse política e eu sempre fui muito interessado pelo assunto. Era também uma época em que estava bem interessado em fotolivros, lendo vários deles. Eu queria que o resultado do projeto fosse um livro para que ele circulasse, que eu perdesse um pouco o controle de por onde o trabalho anda. Gosto bastante da ideia de criar um item que as pessoas possam ter e trocar, inclusive. Inicialmente, era pra ser um livro bem mais simples, mas a ideia sumiu à medida que o trabalho ficou mais complexo.

Logo no início do livro temos um dos poucos textos da obra: “4 de abril de 2016 / 28 de novembro de 2018 / Brasil’. Mais do que um período de tempo, parece um aviso ao leitor. Porque a decisão de marcar tão precisamente esse período?

GC: Sempre que eu vejo uma data em qualquer mídia que eu consumo meu primeiro impulso é pesquisar essa data e ver quais acontecimentos importantes ocorreram nela. Nesse trabalho eu decidi demarcar as datas tão precisamente justamente por isso. Pensando nesse livro como um item que vai permanecer no mundo além do seu tempo, acho interessante a ideia de que para alguém, um dia, todas as experiências que definem nossa época sejam só um produto da memória. Mas ao ver esse livro eles podem ter uma pista de datas importantes. É como qualquer documento oficial que define a sua data para que depois possa ser colocado no contexto de sua época.

 

As fotos foram feitas em diversas localidades da região metropolitana de Porto Alegre. O que o livro guarda de específico da capital gaúcha e o que reflete do Brasil como um todo?

GC: Existem dois motivos pelo qual o trabalho se foca em Porto Alegre. Um deles é obviamente o financeiro. Durante a captação de imagens esse trabalho aconteceu de maneira independente. Eu não possuía recursos para viajar pelo Brasil e permanecer tempo suficiente nas diferentes regiões brasileiras fotografando para o projeto. O outro aspecto é que Porto Alegre reflete o Brasil tanto quanto São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Manaus etc. Todas essas cidades são peças em uma imagem maior de país, com suas características em comum e suas particularidades. Esse trabalho em si é uma peça em uma grande imagem que remonta esse período na nossa história.

A combinação de imagens de paisagens urbanas, de interiores de prédios públicos e retratos criam uma atmosfera de desolação, frustação e abandono para o ensaio fotográfico. São esses os sentimentos que guiaram a realização do trabalho?

GC: Sim, mas por um bom tempo eu não sabia que eram esses os sentimentos que eu estava registrando (e sentindo). O trabalho também foi uma investigação e uma certa “terapia” para mim. Foi fazendo ele que eu descobri que esses eram os sentimentos que eu mais detectava ao meu redor.

É possível pensar em uma sequência para esse trabalho começando em 1 de janeiro de 2019? Ou ele termina com a publicação do livro?

GC: Esse trabalho termina com a publicação do livro. Acho que agora nossos desafios são outros e as sensações no país são outras. Penso que um trabalho que fale do Brasil a partir de 2019 seria bem diferente.

O trabalho tem um forte cunho político, mas foge da tradição fotojornalística tipicamente adotada em temas semelhantes. De onde veio a decisão de levar a obra por outro caminho?

GC: Minha decisão de fugir do fotojornalismo vem, principalmente, do fato de eu não ser um fotojornalista. Venho de outro lado, sou arquiteto e urbanista por formação e isso influenciou muito a minha estética, assim como a minha maneira de fotografar. Outro motivo dessa decisão foi porque existiam já outros fotógrafos com domínio da linguagem fotojornalística realizando trabalhos sobre esse tema e indo por esse caminho. Eu simplesmente decidi contribuir para a discussão da minha maneira.///

 

Gabriel Carpes (1990) é fotografo graduado em Arquitetura e Urbanismo (UFRGS). Reside e trabalha em Porto Alegre (RS), onde atua como fotógrafo freelance.

 

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