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Diferentes abordagens de apropriação de imagens em quatro recentes fotolivros brasileiros

Publicado em: 7 de abril de 2017

Quatro fotolivros brasileiros recentes utilizam, de diferentes maneiras, a mesma estratégia: criar narrativas visuais apropriando-se de imagens já existentes, sejam fotos de família, antigos registros pessoais ou cenas retiradas da internet. É o caso de Farsa Truque Ilusões, de Joaquim Paiva; Aprox. 50.300.000, de Felipe Abreu; e Serra da Ermida 357, de Daniela de Moraes; e Sobretempo, de Mariana Tassinari.

Serra da Ermida 357, de Daniela de Moraes

Serra da Ermida 357, da fotógrafa Daniela de Moraes, foi publicado no final de 2016 e propõe a visita a um tempo não muito distante: o Brasil do Plano Collor, em 1990. Apesar de reproduzir algumas imagens de manchetes de jornais da época, a artista não se valeu da fotorreportagem para abordar o assunto. Moraes criou uma narrativa visual em três partes para contar a história trágica do “avô do seu filho”, que se suicidou em um loteamento chamado Serra da Ermida, em Jundiaí, SP, logo após as medidas de confisco das contas bancárias serem promulgadas pelo recém-empossado presidente Fernando Collor. Na primeira parte, fotos mais recentes apenas sugerem a localização do lote e o caminho para chegar até lá. Na parte seguinte, a fotógrafa apresenta um álbum de retratos do protagonista da história, da infância até a idade adulta, com manipulações e interferências da artista. E, no final, são mostradas reproduções de jornais da época noticiando o plano econômico. O projeto gráfico e a escolha de diferentes tipos de papel e formatos para cada bloco que compõe a narrativa merecem destaque.

Apesar da boa ideia de se apropriar de imagens da época e de um tema que está na memória do brasileiro, com diferentes registros e impactos, o livro peca por não fazer uma ponte mais clara entre a experiência pessoal e o panorama político. A sutileza das imagens e as poucas chaves de leitura dadas ao leitor dificultam o entendimento da história.

Farsa Truque Ilusões, de Joaquim Paiva

O fotógrafo e colecionador Joaquim Paiva usa um conjunto de fotografias e autorretratos feitas por ele nos anos 70 para homenagear artistas que fotografavam suas próprias performances. As imagens de Farsa Truque Ilusões mostram o então diplomata em poses e brincadeiras, interagindo com colegas e amigos em festas, nos escritórios de embaixadas e em cidades como Brasília e Ottawa. A descontração das fotos no início do livro, sem nenhum texto para guiar o leitor, é seguida por imagens encenadas, com sacos de lixo coloridos ao vento, máscaras improvisadas, palavras pintadas e objetos cotidianos como bananas, óculos, manequins, capa de disco etc. O bom humor vira ironia em uma foto com a frase mal-escrita: “A propia obra deve depor contra o seu artista. O propio arstista deve depor sobre sua obra. Ioachim Flusser”, uma provocação ao cultuado filósofo da imagem Vilém Flusser.

Na parte final de Farsa Truque Ilusões são apresentadas reproduções de fotos, slides, cartões-postais e documentos da época, como se, ao mostrar as fotos originais publicadas no começo do livro, o artista revelasse o truque por trás da edição do novo trabalho. No livro, a auto-apropriação de suas imagens de performances voluntárias e involuntárias parece funcionar como uma série de pequenas farsas que o tempo guardou e que o artista agora revela ao público em forma de homenagem ao que, no curto texto que fecha o fotolivro, ele chama de “FotoAção, FotoLinguagem”.

Aprox. 50.300.000, de Felipe Abreu

A apropriação de imagens é o centro de Aprox. 50.300.000. O livro é feito a partir de buscas de imagens no Google usando o termo “migrant crisis” (o título do livro é número de imagens encontradas) e a posterior seleção, tratamento e edição da cobertura fotográfica sobre o tema disponível na internet. Abreu criou uma narrativa visual sobre a crise migratória que envolve países da África, Oriente Médio e Europa, algo ambicioso ao tratar um assunto de alta complexidade econômica, social e política. A ideia de recortar as fotografias na procura do gesto mais significativo (ou seu punctum, como definido por Roland Barthes) ajuda a destacar a dramaticidade dos momentos capturados. Junte-se a isso a decisão de não exibir os rostos dos migrantes (apenas detalhes de seus corpos) e mostrar o das autoridades europeias, e o livro toma uma posição política sobre qual lado defender nesta crise mundial. Esse sentido é reforçado nos textos escritos por Ana Luisa Lima e pelo fotógrafo, comentando como a mídia lida com o assunto em um momento de grande profusão de imagens e discursos inflamados. Apesar de bem editado e da qualidade da produção gráfica, o resultado final parece abrandar mais do que realçar a sensação de sufocamento e tensão das imagens, talvez pelo uso do papel leve e pelo contraste suave do preto e branco no tratamento final das imagens.

Sobretempo, de Mariana Tassinari

Mariana Tassinari apropria-se de uma coleção de antigos slides de viagens do seu avô. Fotografias de paisagens e registros urbanos da Europa do final dos anos 60 são a base para produzir recortes e sobreposições, construindo imagens que evocam memórias e ao mesmo tempo criam novos cenários a partir da imaginação. Sobretempo é o resultado desse diálogo em tempos diferentes, dos registros despretensiosos do avô, movidos pela curiosidade do turista, que ganham novo significado com as interferências da neta artista. Em obras como esta, uma pergunta se coloca: será que essa intenção tão pessoal interessa a um público amplo? No caso de Sobretempo, as cores esmaecidas, as fotomontagens elaboradas (algumas evidentes e bruscas, outras suaves e sutis) e o bom ritmo da edição dão qualidade ao livro.///

Serra da Ermida 357, de Daniela de Moraes
Fotô Editorial, 2016

Farsa Truque Ilusões, de Joaquim Paiva
Editora {Lp} press, 2017

Aprox. 50.300.000, de Felipe Abreu
Editora Vibrant, 2017

Sobretempo, de Mariana Tassinari
Editora Olhavê, 2017

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