Colunistas

Forma: palavra + fotografia

Geoff Dyer Publicado em: 7 de maio de 2014

É o formato mais simples possível para um livro de palavras e fotografias, que exige os mais altos padrões de qualidade – e proporciona os prazeres mais intensos ao leitor. Estou falando de livros com uma imagem numa página e uma pequena legenda ou um texto sobre essa imagem na página ao lado. Cada dupla tem o frescor de uma nova paixão, enquanto o livro como um todo, à medida que se vai avançando, adquire a profundidade e estabilidade de um casamento. A combinação entre unidades ou fragmentos avulsos de texto e um tema que se acumula gradualmente cria uma intensidade própria e uma narrativa em andamento.

Tirando as antologias em que um editor pede que alguns autores escolham uma imagem e escrevam sobre ela, existem, a meu ver, três versões básicas desse formato. Primeira: um fotógrafo só fornece as palavras para cada imagem sua. Segunda: um autor só trata da obra de vários fotógrafos. Terceira: um autor só trata da obra de um fotógrafo só. Até onde sei, não existe nenhum exemplo em que as obras de um só fotógrafo sejam acompanhadas por textos de vários autores.

Os melhores exemplos da primeira categoria são de Joel Sternfeld: On this Site (1997) e Sweet Earth (2006). Assim como as palavras e as imagens se equilibram e se complementam em cada dupla, da mesma forma esses dois livros se equilibram, se complementam e se realçam mutuamente. On this Site apresenta fotos em cor de lugares triviais dos Estados Unidos: um abrigo de ônibus, a parede de um prédio, um estacionamento. O texto de acompanhamento conta o que aconteceu em cada lugar – um assassinato, um acidente de carro, um sequestro –, assim convertendo locais e fotos em memoriais. Sweet Earth é o outro lado da moeda: imagens de comunidades utópicas experimentais nos Estados Unidos, cujas histórias – trágicas, cômicas, inspiradoras – são narradas na página ao lado. Em alguns casos, as comunidades continuam a existir e prosperar; outras, após um breve clímax de amor livre e psicodelismo, subsistem apenas como ruínas. Sternfeld procura preservar, registrar e homenagear seus ideais fundadores. Sem dúvida ele é um fotógrafo – um dos grandes pioneiros da foto em cor –, mas os textos dos dois livros são tonalmente tão perfeitos quanto as imagens.

Na história dos textos sobre fotografia, os nomes que vêm mais depressa à lembrança costumam ser os de não especialistas: Walter Benjamin, John Berger, Roland Barthes e Susan Sontag. Entre os curadores que tinham a fotografia como parte central de suas atividades, cabe menção especial a John Szarkowski, diretor de fotografia no Museu de Arte Moderna em Nova York de 1962 a 1991. Sua influência direta no trabalho e na carreira de diversos fotógrafos foi bem maior do que a de Berger, Sontag e Barthes; além disso, era um escritor admirável. Looking at Photographs (1976) pretendia apresentar uma amostra dos enormes acervos do museu, usando imagens individuais de alguns dos principais nomes na história da fotografia. São cem fotos, cada uma acompanhada de um curto texto. Não é o melhor livro de Szarkowski, de maneira nenhuma, mas foi o primeiro exemplo que conheci nesse formato: o texto numa página, a imagem na página ao lado. (Em termos mais específicos, é um exemplo do segundo tipo de livro – um autor só escrevendo sobre vários fotógrafos – dentro desse formato mais geral.) Concebido como uma espécie de introdução à maneira de ver a fotografia, ele foi minha introdução a uma maneira particular de apresentar e comentar fotos.

Szarkowski, mais ao final da carreira, voltou a usar o formato em Atget (2004), seu melhor livro e provavelmente a obra-prima da forma. Szarkowski conhecia o trabalho de Atget de cor e salteado, o que o liberou da obrigação de ser exaustivo. Aqui, Atget é representado por uma pequena parcela do conjunto de sua obra. E Szarkowski, em vez de verter rios de tinta como autoridade sobre o tema, fala como autor, discretamente, condensando seu imenso conhecimento em pequenos ensaios acompanhando cada imagem. Os textos são sábios, lindos, excêntricos, encantadores, inesperados. Às vezes afastam-se da imagem, mas sempre nos reconduzem a ela e podemos vê-la de maneira mais clara e mais completa. São ao mesmo tempo parábolas indiretas e reflexões históricas, exames da técnica fotográfica e ensaios metafísicos que podem se tornar belas e desoladas peças literárias: “Não creio que, antes da fotografia, cadeiras vazias significassem a mesma coisa que agora significam para nós”. O projeto, como um todo, poderia parecer extravagante se não fosse a imensa base de conhecimento técnico em que se funda. Olhando uma foto com ciprestes e uma cerca branca levemente rachada, feita em 1921-22, Szarkowski comenta que seria fácil supor que Atget era um fotógrafo do século 19. Na verdade, ele fez grande parte do que há de melhor em sua obra na época em que Man Ray, Edward Weston e outros “estavam definindo o caráter do alto modernismo fotográfico”. Quando Szarkowski acrescenta que essa foto “foi feita seis ou sete anos depois da grande foto de Paul Strand, White Fence, que certamente Atget jamais viu”, nós vemos claramente o que ele quer dizer. Nosso senso da paisagem da história fotográfica ganha uma sutil reconfiguração.

Essa menção a Strand me faz lembrar o único livro que considero capaz de rivalizar com Atget de Szarkowski, embora não caiba neste contexto – pois as imagens que Mark Strand apresenta em Hopper (2001) são pinturas e não fotografias. Tal como no caso de Szarkowski e Sternfeld, não se trata apenas do conteúdo do livro – Strand se concentra em como a geometria formal dos quadros cria o habitual senso de solidão de Hopper – e sim do tom, que é muito importante. Sereno, despretensioso, mas vigoroso, é quase como se emanasse diretamente dos próprios quadros.

O exemplo mais recente do formato que conheço é 125 Photographs, de Edward Weston (Ammo Books, 2012). O que o editor Steve Crist fez foi reunir cada foto com alguma breve anotação dos volumosos Daybooks de Weston, referente justamente à imagem – as circunstâncias e as informações técnicas sobre ela –, ou alguma reflexão mais geral sobre as pessoas da foto ou a situação pessoal da vida e da arte de Weston naquele momento. A organização é cronológica: às vezes, há uma ligação mais forte entre palavras e imagem, e funciona melhor do que outras vezes. Mas pode-se ter uma ideia do êxito geral da iniciativa pela quantidade de edições que há do trabalho de Weston, muitas delas bem mais substanciais do que esta que citei. Em 125 Photographs, uma obra já conhecida adquire, a um grau surpreendente, aparência de nova. E não só de nova, mas de novidade. É como folhear o álbum de uma vida enquanto ela transcorre, e não com o peso monumental de uma retrospectiva. Não é só um bom acréscimo; é antes um remix engenhoso – e de engenhosa fidelidade.

Tenho 55 anos e várias ideias para livros que quero escrever nos próximos dez anos. Em alguns casos, até tenho uma ideia do assunto, mas não da forma. E, no entanto, essa forma simples – e incrivelmente exigente – está aí, pronta, esperando por mim, até encontrar o tema adequado. Vou ficar muito decepcionado se for para o túmulo sem ter dado minha contribuição pessoal a esse gênero discretamente maravilhoso.///

Geoff Dyer é escritor e colunista do jornal The New York Times. Autor de O Instante contínuo (2008), além de inúmeros outros textos sobre fotografia.

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