William Eggleston – a cor americana

Fotógrafo e cineasta Walter Carvalho faz foto em homenagem a William Eggleston

Publicado em: 13 de maio de 2015

 

foto Walter Carvalho | revista ZUM

Foto: Walter Carvalho

 

A convite da ZUM, o fotógrafo e cineasta brasileiro Walter Carvalho escreveu o texto a seguir sobre a obra do fotógrafo americano William Eggleston, em cartaz no IMS-RJ até 28 de junho. Pouco depois do convite, enquanto escrevia, Carvalho cruzou com um cadillac de 1959, semelhante aos fotografados por Eggleston, e teve a ideia de fazer a releitura acima, sua homenagem ao mestre da fotografia colorida.

 

Dorothea Lange disse certa vez, “a câmera é um instrumento que ensina as pessoas a verem sem uma câmera”. Isso é o que ocorre ao olharmos as fotos de William Eggleston. Num primeiro momento, é como se estivéssemos diante do objeto fotografado e não diante de sua representação. Somos sugados para o interior das imagens e seus objetos atuam em planos de atração: proativos e inertes. É como se ainda não tivesse acontecido a foto, em outros momentos é como se tivesse acabado de acontecer.

A revista ZUM, em sua segunda edição,  publicou algumas fotos do trabalho de Eggleston. Numa delas podemos observar o interior de um automóvel clássico americano, um cadillac. Do ponto de vista do banco traseiro, vê-se parcialmente o painel de controle, enquanto no primeiro plano só vemos o antebraço do driver que segura com a mão direita o volante, do lado esquerdo só vemos a mão, tudo poderia parecer um registro banal não fosse parte do rosto visível na fatia superior do quadro. Uma estranha composição mas reveladora e comum da vida americana. Não há exatamente um enquadramento, e sim um ponto entre o visível e o invisível. Ou seja, a contiguidade do quadro acontece entre o que se retira e o que se mantém do real no momento da decisão. A foto do interior do cadillac é um bom exemplo.

Para David Hockney, “ninguém olha para uma foto por mais de trinta segundos a menos que, entre mil rostos, esteja procurando o de sua mãe”. Nas fotografias de William Eggleston é possível ao observador fazer uma varredura por trinta segundos e ser atraído para seu interior com interesse, não só pela simplicidade do seu registro, mas pelo que vai além da superfície das coisas e penetra no interior dos objetos.

Em 1976 John Szarkowski, então curador de fotografia do MoMA, mostrou pela primeira vez as fotos coloridas de Eggleston. Um fracasso, foi considerada a pior exposição daquele ano. Com o tempo o pioneiro da cor na América, juntamente com Stephen Shore e Joel Meyerowitz, tornou-se um dos grandes da fotografia e Szarkowski hoje é considerado um dos maiores curadores da história. Acusado pelo The New York Times de “o banal conduzindo o banal”, ao observar suas fotos o crítico não percebeu o refinamento estético e técnico que estava contido no gesto criador do fotógrafo.

 

William Eggleston | revista ZUM

© Eggleston Artistic Trust. Cortesia de Cheim & Read, Nova York.

 

No inicio da década de 1970, WE frequentou laboratórios de revelação automática que processavam fotos coloridas em massa. Foi quando debruçou seu olhar sobre os instantâneos de festas de famílias, supermercados, parkings, malls, e coisas “banais”, que os laboratórios revelavam de filmes coloridos do mercado amador. Encantado com esse universo visual, tomou como base exatamente o trabalho amador e desenvolveu o tema do cotidiano americano sem medo do gesto fútil. WE transforma o ordinário em extraordinário, pelo viés da simplicidade.

Muitas vezes suas fotografias parecem fotos domésticas, envelopadas em álbuns de família. Outras adquirem sofisticadas formas de pensar e de enquadrar, indo além de colocar apenas os objetos no quadro entre o que é percebido e o que é fotografado. Não sabemos se para WE o que vem antes é o quadro que lhe atrai, ou o quadro estudado cujo teor foi inspirado nos amadores das primeiras fotos em cores.

Até que ponto a apreensão do real se dá pelo artifício ótico de suas lentes, ou até que ponto o inusitado das fotos se dá pelo simples movimento do seu corpo na hora de apertar o botão da câmera, um passo para o lado e ele modifica sua perspectiva ótica. Subtrai ou acrescenta a imagem através do corte pela altura-posição do seu olhar. O objeto em WE está pleno, sem artifícios, como se interessasse apenas o mundo das coisas, no mundo.

Seu ponto focal parece, entretanto, não pertencer ao objeto fotografado nem a ele, fotógrafo, mas ao que está entre as coisas e suas relação espaciais. Um instante fotografado que nos revela outros.

Mesmo acusado de usar a cor de forma banal em seus primeiros trabalhos expostos, WE pertence sem dúvida ao grupo dos humanistas que olharam a vida americana através de uma câmera, seja pelo preto e branco do Robert Frank, seja pela cor dos filmes amadores que o inspiraram e conduziram o viés do seu trabalho.

Para acompanhar este texto resolvi aproveitar um cadillac Ford modelo Fairlane de 1959 e fotografei uma jovem posando, numa tentativa de “copiar” o que poderia ser uma fotografia de William Eggleston. Antes de tudo, uma homenagem.

 

Walter Carvalho, consagrado diretor de fotografia do cinema brasileiro, foi responsável por mais de 60 filmes, entre eles Central do BrasilLavoura arcaicaCarandiru e Madame Satã. Publicou o fotolivro Contrastes simultâneos (2014).