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Três perguntas para o coletivo de fotografia Trëma

Publicado em: 20 de maio de 2015

 

Tropa de Elite Tropa de Elite
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Formada em 2013 pelos fotógrafos paulistas Filipe Redondo, Gabo Morales, Leonardo Soares e Rodrigo Capote, a Trëma se dedica à fotografia documental e editorial, com interesse especial pelas manifestações de identidades locais, tradicionais e contemporâneas.

O coletivo foi contemplado no XIV Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia, em 2014, e mais recentemente recebeu da Fundação Conrado Wessel, em 1º lugar, o Prêmio FCW de Arte 2015, com o ensaio fotográfico Tropa de Elite.

A ZUM entrevistou os fotógrafos para falar sobre a dinâmica do coletivo, a série premiada pela FCW, e seu projeto mais recente, Lagoa da Confusão: Wanderlândia, que retrata o estado do Tocantins.

O ensaio Tropa de Elite – registro do exército improvisado pelos moradores da ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos, para proteger a comunidade de uma ação de reintegração de posse em 2012 – rendeu ao coletivo o Prêmio Fundação Conrado Wessel de Arte em 2015. Vocês começaram a desenvolver o projeto meses depois do conflito. Como foi localizar os antigos moradores da região, despejados da ocupação, e como eles reagiram à proposta de recriar os aparatos de combate que improvisaram na época do conflito? O que os inspirou a realizar esse ensaio?

A inspiração para o Tropa de Elite veio das fotos originais que mostravam o exército do Pinheirinho nos dias anteriores à reintegração de posse do terreno onde eles viviam, em 2012. Na época, vários jornais pelo Brasil colocaram na capa as imagens daquelas pessoas com escudos, capacetes e armaduras improvisadas, prontos para defender o lugar em que viviam. Aquela imagem deles juntos, da massa de soldados, foi bastante divulgada na época, mas as histórias daquelas pessoas, como indivíduos, não receberam tanta atenção. Nossa intenção era, portanto, mostrar quem eram algumas das pessoas por trás da vestimenta e onde estavam quase dois anos depois do seu despejo.

Localizamos o líder dos moradores pela indicação de um movimento social que apoiava o Pinheirinho. Um dos líderes comunitários, Juarez Silva, que depois seria retratado por nós porque fizera parte da Tropa, nos levou a algumas assembleias de ex-moradores que aconteciam, e ainda acontecem, no Campo dos Alemães, um bairro vizinho ao local onde ficava o Pinheirinho e onde muitos dos integrantes daquela comunidade ainda moram. Em uma dessas reuniões, fomos apresentados aos ex-moradores e discutimos com eles a ideia de falar dos desdobramentos do que aconteceu no Pinheirinho a partir do exército interno que eles haviam criado.

Na época, setembro de 2013, um ano e meio depois do despejo, a expectativa era que em breve seria anunciada a construção de casas subsidiadas pelo governo federal para os ex-moradores – o que de fato e finalmente aconteceria meses depois, com a presença da presidente Dilma Rousseff  – no entanto, durante nossas visitas ainda existia uma mistura curiosa de esperança e ceticismo entre aqueles que entrevistamos. As pessoas queriam contar suas histórias, principalmente mostrar como eram suas vidas no Pinheirinho, e falar de como foi a ação brutal da polícia que eles vivenciaram quando foram despejados. Sentimos os moradores interessados em fazer parte do projeto. Refazer as armaduras, assim como posar para as fotos, em um momento que a mídia pouco falava sobre o Pinheirinho, foi uma chance para eles de talvez recolocar o assunto em pauta, além de recordar o sentimento de comunhão que tiveram antes e durante aquele processo traumático.

 

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O projeto mais recente da Trëma, Lagoa da Confusão: Wanderlândia, retrata um percurso de 4 mil quilômetros pelo estado do Tocantins, a mais nova unidade federativa do país. Como foi planejada e o que vocês buscavam com a expedição? Quais as principais impressões que tiveram da estruturação e das manifestações sociais e culturais do Tocantins 25 anos depois da criação de suas fronteiras? Como pretendem desdobrar esse projeto?

A expedição foi planejada de modo que fosse possível percorrer norte, sul, leste e oeste do imenso território tocantinense em menos de 30 dias. No início da pesquisa definimos dois pontos de passagem do trabalho, as duas cidades do título do projeto, Lagoa da Confusão, no oeste, e Wanderlândia, no norte, cujos nomes algo poéticos tinham pra gente uma narrativa própria, digamos que potencial. A partir daí estabelecemos a capital Palmas, no centro, como nossa base; Mateiros, à leste, e Natividade, ao sul, completariam o itinerário. A definição de um itinerário é uma questão prática importante, mas está longe de limitar, em qualquer sentido, até no geográfico, o território do projeto. A passagem por locais não pré-estabelecidos e os imprevistos deste processo seriam tão importantes para a busca de uma identidade (ou identidades) dos moradores do Tocantins quanto as diretrizes estabelecidas durante o planejamento da viagem.

Para explicar o que encontramos, e como gostaríamos que isso fosse assimilado, temos usado o paradoxo da fotografia como, ao mesmo tempo, evidência e ilusão. Tudo que há em Lagoa da Confusão: Wanderlândia é real, evidência do que encontramos, é parte do processo de construção identitária do Tocantins. No entanto, é uma ilusão no sentido de que não é suficiente para explicar a complexidade desse processo de formação de identidades, que não é algo finito, ou facilmente delineado; é um recorte, o nosso recorte desse fenômeno.

Analisando então nosso recorte, percebemos uma cultura e uma sociedade muito heterogêneas, em formação, que por isso mesmo se encontra em estágios iniciais de construção e autoconhecimento. Nossa narrativa trabalha de alguma forma em oposição à narrativa oficial que o Estado e seus grandes meios de comunicação constroem, o que é produzido internamente como propaganda, seja sobre a monumentalidade de Palmas, as belezas naturais, a gastronomia, ou qualquer outra manifestação supostamente típica. Em Lagoa da Confusão: Wanderlândia falamos do comum, do diário, da capital monumental, planejada, que também tem espaços vazios e ruas por asfaltar, do Jalapão isolado, da balsa entediante atravessando o imenso Rio Araguaia, do sujeito que se divide entre o trabalho de policial e o de pastor. Latente em todos esses temas está o ponto de encontro das manifestações do presente com o passado do Tocantins como o Norte de Goiás.

O desdobramento principal do projeto é uma plataforma online, em www.fronteiras.org, onde publicamos fotos e vídeos captados durante a expedição pelo Estado, acompanhados de textos com relatos do que encontramos. Juntamente com o site, produzimos um zine com um resumo bem livre do que está online, como um acompanhamento que distribuímos gratuitamente durante palestras de apresentação do Lagoa da Confusão: Wanderlândia que realizamos no Tocantins.

Internamente, estamos discutindo a melhor forma de transformar esse trabalho em um livro, mas é uma ideia ainda em seus estágios iniciais de gestação, que ainda vai passar pela divergência, o acordo e a reflexão comuns a um coletivo.

Por último, pretendemos visitar no futuro próximo outros estados brasileiros em buscas similares por temas de fronteira, identidade e comunidade.

 

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A Trëma reúne o trabalho de quatro fotógrafos sob uma única assinatura. Como funciona essa ideia de todos representarem o grupo e por que vocês optaram por atuar como um coletivo?

Em 2012 nos tornamos fotógrafos compartilhando um estúdio. Era simples assim. A gente debatia entre nós sobre fotografia, o mercado, o futuro do que a gente faz, mas cada um seguia com seu trabalho editorial e comercial. A proximidade e as nossas conversas, no entanto, foram criando uma ocasião para falar sobre trabalhos que a gente gostaria de fazer mas que pareciam fadados a não entrar na agenda da mídia, dos nossos empregadores. E ai surgiu a ideia de usar essa estrutura e nosso interesse coletivo para criarmos trabalhos que poderíamos chamar de autorais – por falta de uma palavra melhor –, sobre temas que de forma pessoal nos interessam, e interessam à narrativa que queremos construir sobre o Brasil hoje. De forma bastante natural acabamos criando um padrão em que cada um faz o seu trabalho profissional como sempre fez, mas, em determinados momentos, se une aos outros para pensar e produzir outros projetos que formariam assim o trabalho da Trëma. O que viesse desse esforço coletivo seria idealmente da Trëma, e não de um de seus membros, ou de qualquer combinação entre eles. Esse sistema híbrido, que tem características tanto de uma divisão administrativa de um estúdio onde cada um faz suas próprias coisas e a divisão criativa onde todos se juntam para produzir algo tem funcionado muito bem pra gente. Alguns dos projetos que apresentamos no nosso portfólio foram produzidos por apenas um membro do grupo, e isso não é para ser nenhum segredo, ou algo assim. Apenas são trabalhos em sintonia com os interesses e a paisagem narrativa onde o coletivo trabalha. A ideia é que quando a pessoa esteja no contexto da Trëma, no seu sítio web, por exemplo, ela veja claramente nossos interesses como grupo. E como grupo provavelmente somos capazes de pensar melhor do que o faríamos individualmente. A troca de ideias, a divergência, o acordo, a reflexão, deixam o processo de decisão mais complexo mas enriquecem o resultado, que é o mais importante.

 

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