Por Trás da Foto

Por Trás da Foto: Cristiano Mascaro e o aprendizado de olhar as cidades além da realidade

Cristiano Mascaro Publicado em: 21 de junho de 2017

Escadas rolantes, de Cristiano Mascaro, 1982

Depois que deixei o fotojornalismo, época em que cobria as mais variadas pautas em um só dia, pude concentrar meus interesses na cidade de São Paulo. Passei a ser mais dono de meu tempo e pude organizar alguns projetos, como o da documentação do bairro do Brás, que fiz com Pedro Martinelli. De início, nesse trabalho havia a preocupação, não digo de literalidade, pois sempre há fatores subjetivos na hora em que se aperta o disparador, mas de que as imagens tivessem um nexo direto com a realidade.

Isso não me incomodava e até hoje penso que não há como ser diferente na fotografia documental. Até porque, o ângulo escolhido, a luz, o momento e inúmeros outros fatores acabam definindo uma autoria. No entanto, no início da década de 1980, a partir de uma fotografia que fiz no centro da cidade, percebi que havia me aproximado de uma cena não mais com aquele olhar direto, objetivo, “perpendicular” e, de alguma maneira, planejado de um trabalho documental. Isso aconteceu quando decidi enfrentar uma imensidão de escadas rolantes, todas quebradas, que subiam em ziguezague os vários andares de uma galeria comercial decadente. Chegando ao último lance de escadas, já bastante cansado, apoiei-me no parapeito ali existente e, olhando distraidamente para baixo, surpreendi-me com a máquina metálica gigantesca em que aquelas escadas rolantes haviam se transformado.

Espantado, fiz a foto que até hoje me faz lembrar de duas coisas que sempre devo levar em conta: a imagem da cidade não precisa ter um nexo direto com a realidade. Ou melhor, por alguns instantes, tem e não tem, pois sempre lembra algo indefinível em um primeiro momento, mas claramente reconhecível depois. A segunda coisa é a vulnerabilidade a que estamos condenados ao caminhar pelas cidades. A cada esquina que dobramos ou a cada escada rolante que subimos, sempre estaremos sujeitos aos mais diversos tipos de espantos que nos desviam de todo e qualquer caminho planejado.///

 

Cristiano Mascaro (1944) é mestre e doutor pela FAU-USP, ganhador de uma Bolsa Vitae de Artes e de três Prêmios Abril de Fotojornalismo. Em 2006, participa como arquiteto homenageado da VI Bienal Internacional de Arquitetura e Design apresentando a exposição O Brasil em X, em Y, em Z e, em 2007, recebe o prêmio especial Porto Seguro de Fotografia pelo conjunto de sua obra.

 

 

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