“Brasil X Argentina”, de Dora Longo Bahia

 

A videoinstalação Brasil x Argentina exibe os efeitos do aquecimento global e das políticas ambientais dos dois países na Amazônia e na Patagônia. Enquanto um par de projeções retrata o derretimento das geleiras de Perito Moreno, na Argentina, e as queimadas da floresta brasileira, outros dois vídeos encenam uma troca de passes virtual entre duas crianças, uma de cada nacionalidade. Questão recorrente no trabalho da artista, a obra põe em evidência a violência – na forma de degeneração ambiental – como consequência de um sistema econômico e social insustentável.

Leia a entrevista com a artista:

Brasil e Argentina empatam pela primeira vez em um 0x0 truculento nas quartas de finais da Copa do Mundo de 1978, em Rosário. Um golpe militar em 76 havia colocado uma Junta Militar para governar a Argentina, e o governo viu na Copa uma oportunidade de propagar ideias nacionalistas internamente e tentar melhorar a imagem do país no exterior. A Junta Militar manipulava e limitava a ação da imprensa, assumindo o controle das emissoras de televisão. O país estava imerso num clima de tensão e violência silenciada: com exceção das partidas de futebol, só eram exibidos programas estatais. Os cofres públicos – já esfacelados pela ditadura – foram extremamente onerados pela construção de 3 novos estádios e pela reforma de outros 3 para a competição. Mesmo assim, a vitória controversa da Argentina na Copa garantiu o sucesso ufanista da empreitada, ajudando a sustentar uma das mais sangrentas ditaduras da América Latina, responsável por milhares de mortos e um número ainda maior de desaparecidos.

O Brasil já inaugurara essa estratégia pela ditadura militar durante a Copa de 70, no México. Mais de 40 anos depois, o estado democrático brasileiro volta a utilizar o campeonato mundial de futebol para promover um ideário nacionalista superficial, aproveitando-se assim para esconder uma crise interna de grandes dimensões. Escândalos de corrupção se sobrepõem diariamente, movimentos conservadores organizados gritam pela censura de obras de arte, e grandes reservas naturais são privatizadas em prol de iniciativas ligadas ao agronegócio, à mineração e aos empreendimentos imobiliários. A devastação das florestas locais atinge proporções inéditas. Diferentemente da Argentina, o Brasil não ganhou a Copa que sediou. A derrota para a Alemanha na semifinal explodiu a tampa do grande bueiro nacional, expondo a maior crise política, econômica e ambiental da história do país. A catástrofe brasileira vai muito além do 7×1.

Dora Longo Bahia viajou para Porto Velho com seu assistente, Tomás Irici, em setembro de 2016,  após verificar que a maioria dos incêndios na floresta amazônica estavam acontecendo em Rondônia. Os vídeos foram capturados com uma câmera digital munida de lente zoom e teleobjetiva, e com câmeras analógicas (inclusive uma pinhole) tomaram fotografias com filme médio-formato. Além disso, gravaram o som do fogo das queimadas com um gravador e microfone. Ficaram 10 dias entre Rondônia, Pará e Amazônia, com um carro alugado, procurando florestas destruídas ou em chamas.

Em janeiro de 2017 a artista embarcou para El Calafate, Argentina, novamente acompanhada de Tomás e levando o mesmo equipamento. Nos meses que antecedem a viagem, tentam diversas vezes entrar em contato com o Parque Nacional Los Glaciares, sem sucesso. Também não conseguem qualquer apoio para o projeto na sede do parque, em El Calafate. As visitas às geleiras são feitas então em passeios oferecidos por empresas de turismo, novamente em um carro alugado. Passam uma semana capturando imagens dos desabamentos, especialmente em Perito Moreno, onde concentram a maior parte dos esforços.

Em Brasil x Argentina (Amazônia e Patagônia), a artista construiu uma videoinstalação retangular, composta por quatro projeções, uma em cada parede. Nas duas pontas mais distantes, estão imagens que retratam o derretimento das geleiras de Perito Moreno (na província de Santa Cruz, Argentina) e as queimadas da floresta Amazônica (no estado de Rondônia, Brasil). Nas duas laterais, dois garotos jogam futebol, um deles com uniforme argentino, outro com uniforme brasileiro. Os garotos fazem referência à partida entre Brasil e Argentina na Copa do Mundo de 1978, que terminou em zero a zero.

O formato vertical dos vídeos remete aos registros amadores feitos com aparelhos móveis. Além disso, segundo a artista, a verticalidade serve “para potencializar a relação entre a monumentalidade da geleira e da floresta em relação ao homem, no caso os jogadores”. Quando o que está em jogo é a preservação ambiental, o empate pode ser trágico: significa a manutenção do status-quo de destruição acelerada do meio ambiente.  ///

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Jorge Bodanzky entrevistou Dora Longo Bahia sobre o projeto Brasil X Argentina  

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Foto: Cláudia Guimarães.

Dora Longo Bahia

(São Paulo, SP, 1961)Participou de exposições e festivais como We Never Sleep na Schirn Kunsthalle (Frankfurt, Alemanha, 2020); na Bienalsur (Argentina, 2019); na 9a Bienal de Busan – Divided We Stand (Coreia do Sul, 2018), e 35º Panorama Arte Brasileira (São Paulo, 2017), da 28a Bienal de São Paulo (2008). Recebeu bolsa da Fundação Cisneros Fontanals.